18:36

A Predestinação e a Providência de Deus

Consideramos agora o seguinte: tendo-se em vista o fato de que a Aliança da Vida não é
pregada igualmente por todos, vê-se nessa diversidade um admirável mistério do juízo de
Deus. Não há dúvida nenhuma de que essa variedade atende ao seu beneplácito, agrada ao
se querer. Pois bem, como é evidente que isto é feito pela vontade de Deus – que a salvação
é oferecida a uns e os outros são deixados de lado – daí decorrem grandes e altas questões,
as quais só se resolvem ensinando aos crentes o que eles podem compreender da eleição e
da predestinação de Deus.
1. Divisa da Matéria
Esta matéria compõe-se de duas partes. Primeiramente, devemos resolver a questão sobre
o motivo pelo qual uns são predestinados para a salvação e outros para a condenação.
Depois é preciso demonstrar como o mundo é governado pela providência de Deus, visto
que tudo o que se faz depende da sua ordenação e do seu comando.
Antes, porém, de tratar desse argumento, devo fazer um estudo preliminar sobre as duas
classes de pessoas. Porque, além de o presente tema ser em si mesmo um tanto obscuro, a
curiosidade dos homens o torna complexo e complicado, e mesmo perigosos. Por quê?
Porque o entendimento humano não pode refrear-se e conter-se, mas sempre tende a
desgarrar-se, metendo em grandes desvios e rodeios, e a subir alto demais em suas
pretensões. Seu desejo é, de possível, não deixar nenhum segredo de Deus se, a sua
investigação minuciosa. Pois vemos muitos caírem nessa audácia e nessa presunção. Além
disso, muitos há que não são maus, mas que carecem da nossa admoestação do sentido de
se dominarem e se controlares nesta área.
Em primeiro lugar, então, quando os homens quiserem fazer pesquisa sobre a
predestinação, é preciso que se lembrem de entrar no santuário da sabedoria divina. Nesta
questão, se a pessoa estiver cheia de si e se intrometer com excessiva autoconfiança e
ousadia, jamais irá satisfazer a sua curiosidade. Entrará num labirinto da qual nunca
achará saída. Porque não é certo que as coisas que Deus quis manter ocultas e das quais ele
não concede pleno conhecimento sejam esquadrinhadas dessa forma pelos homens.
Também não é certo sujeitar a sabedoria de Deus ao critério humano e prete0nder que este
penetre a sua infinidade eterna. Pois ele quer que a sua altíssima sabedoria seja mais
adorada que compreendida (a fim de que seja admirada pelo que é). Os mistérios da
vontade de Deus que ele achou bom comunicar-nos, ele nos testificou em sua Palavra. Ora,
ele achou bom comunicar-nos tudo o que viu que era do nosso interresse que nos seria
proveitoso.
Se alguma vez nos ocorreu ou nos ocorrer este pensamento: que a Palavra de Deus é o
único caminho que nos leva a inquirir tudo quanto nos é lícito conhecer sobre ele; e mais,
que ela é a única luz que nos ilumina para contemplarmos tudo quanto nos é lícito ver – ela
nos poderá manter afastados de toda atitude temerária. Porque saberemos que, saindo dos
limites próprios, caminharemos fora do caminho e vagaremos na escuridão total. E assim
só poderemos errar, tropeçar e nos ferir a cada passo. Tenhamos, pois, em mente que será
uma loucura querer conhecer todas as coisas relacionadas com a predestinação, exceto o
que nos é dado na Palavra de Deus. Estejamos igualmente apercebidos de que, se alguém
quiser caminhar por entre as rochas inacessíveis, irá mergulhar nas trevas.
2. Certa Ignorância é mais douta que o saber
E não nos envergonhemos por ignorar algo deste assunto, no qual há certa ignorância mais
douta que o saber. Melhor faremos em dispor-nos a abster-nos de um conhecimento cuja
exibição é estulta e perigosa, e até mesmo perniciosa. Se a curiosidade da nossa mente nos
solicitar que investiguemos tudo, sempre temos em mãos esta sentença para rebater essa
pretensão: "Quem esquadrinhar a majestade de Deus será oprimido por sua glória". Muito
bom será que nos desenterremos dessa audácia, pois vemos que ela n~so no pode fazer
outra coisa senão precipitar-nos na desgraça.
3. O outro extremo: omissão negligente
Por outro lado, há outros que, desejando remediar esse mal, esforçam-se para fazer com
que a lembrança da predestinação seja enterrada; quando menos, eles nos advertem de que
tomam cuidado para não inquirir nada a respeito dela, considerando-a uma cois
a perigosa.
Embora seja louvável a modéstia de queremos abordar os mistérios de Deus com grande
sobriedade, descer tão baixo nisso não dá bom resultado para os espíritos humanos,
porque estes não se deixam domar tão facilmente.
4. O equilíbrio da Escritura
Por isso, para que tenhamos aqui bom equilíbrio, devemos examinar a Palavra de Deus, na
qual temos excelente regra para o entendimento firme e correto. Porquanto, a Escritura é a
escola do Espírito Santo, na qual assim como nada que seja útil e salutar conhecer é
omitido, assim também não há nada que nela seja ensinado que não seja válido e proveito
saber.
Portanto, devemos ter o cuidado de não impedir os crentes de procurarem saber o que há
na Escritura sobre a predestinação, para não parecer que desejamos fraudá-los negando-
lhes o bem que Deus lhes comunicou, ou que pretendemos discutir com Espírito Santo,
como se ele tivesse divulgado coisas que faria bem em suprimir.
Permitamos, pois, que o cristão abra os ouvidos e o entendimento para toda doutrina
dirigida a ele por Deus. Isso com a condição de que ele sempre mantenha este equilíbrio,
esta moderação: quando vir fechada a santa boca de Deus, feche também o caminho da
inquirição. Eis um bom marco memorial da sobriedade: se em nossa aprendizagem ou em
nosso ensino seguirmos a Deus, tenhamo-Lo sempre adiante de nós. Contrariamente, se
ele para de ensinar, paremos de querer continuar a ouvir e a entender. Então, o perigo que
a boa gente que citei teme não é tão importante que deva lavar-nos a deixar de prestar
atenção em Deus, em tudo quanto ele diz. Reconheço que os homens maus e blasfemos
depressa encontram na doutrina da predestinação coisas para acusar, torcer, remoer e
zombar. Mas, se cedermos à sua petulância, eles darão fim aos artigos da nossa fé, dos
quais não deixarão um só que não fique contaminado por suas blasfêmias. Um espírito
rebelde se porá a campo e, tanto ousará negar que numa só essência de Deus há três
Pessoas, como também que, quando Deus criou o homem, previu o que lhe aconteceria no
futuro. Semelhantemente, esses maus elementos não se absterão de rir-se quando lhes for
dito que não faz muito mais que cinco mil anos que o mundo foi criado. Por que vão querer
que lhes expliquemos como é que Deus ficou ocioso por tão longo tempo. Para reprimir
tais sacrilégios, devemos deixar de falar da divindade de Cristo e do Espírito Santo?
Devemos calar-nos sobre a criação do mundo?
Antes, muito ao contrário, a verdade de Deus é tão poderosa, tanto nesta questão como em
tudo mais, que não teme a maledicência dos ímpios. O que Agostinho confirma muito bem
em sua pequena obra intitulada Sobre o Benefício da Perseverança ("Du bien de
persévérance"). Porque vemos que os falsos apóstolos, ridicularizando e difamando a
doutrina do apóstolo Paulo, nada mais puderam fazer do que se tornarem objeto de
vergonha.
5. Velhas Objeções
Há alguns que consideram esta discussão perigosa, mesmo quando mantida entre os
crentes. Dizem eles que a doutrina da predestinação é contraria às exortações. Abala a fé,
perturba os corações e os abate. Mas essa alegação é fútil. Agostinho não dissimula o fato
de que era criticado pelas razões acima citadas, pois ele pregava livre e abertamente a
predestinação. Mas, com facilidade os refutou suficientemente. Quanto a nós, visto que
fazem objeção com diversos absurdos contra a doutrina que apresentamos, melhor será
deixar para resolver, mas adiante, uma por vez. Por ora, desejo conseguir que todos os
homens, em geral, se juntem a nós neste propósito: que não procuremos as coisas que
Deus quis manter ocultas, e que não negligenciemos as que ele tornou manifesta. Isso para
que, por um lado, não sejamos acusados de curiosidade exagerada, ou, por outro, de
ingratidão. Neste sentido, esta sentença de Agostinho é muito boa: "Podemos seguir com
segurança a Escritura, a qual condescende com a nossa pequenez, como a mãe
condescende com a pequenez do seu bebê, quando quer ensiná-lo a andar".
6. Definição de termos
Os antigos explicavam diferentemente os vocábulos presciência, predestinação, eleição e
providência. Nós, deixando de lado toda discussão supérflua, seguimos simplesmente a
propriedade dos termos. Quando atribuímos presciência a Deus, queremos dizer que todas
as coisas sempre estiveram e continuam estando sob os seus olhos, de modo que para o seu
conhecimento não há nada que seja futuro ou passado. Todas as coisas lhe são presentes, e
de tal modo presente que ele não as imagina como que mediante algumas espécies ou
categorias, como acontece com as coisas que temos na memória e que, lembrando-as, vêm
diante dos nossos olhos pela imaginação, mas as vê e as observa real e verdadeiramente,
como estando diante do seu rosto. Dizemos que este pré-conhecimento abrange toda a área
do universo e todas as criaturas.
Denominamos predestinação o conselho eterno de Deus pelo qual ele determinou o que
deveria fazer com cada ser humano. Porque ele não criou todos em igual condição, mas
ordenou uns para vida eterna e os demais para a condenação eterna. Assim, conforme a
finalidade para a qual o homem foi criado, dizemos que foi predestinado para a vida ou
para a morte.
O uso conseguiu impor que se chame providência à ordem que Deus segue no governo do
mundo e na direção e condução de todas as coisas.
7. A doutrina da predestinação
Em primeiro lugar, trataremos da predestinação. Conforme o que a Escritura mostra
claramente, dizendo que o Senhor constituiu uma vez por todas, em seu conselho eterno e
imutável, aqueles que ele quis tornar para a salvação, e aqueles que ele quis deixar em
abandono. Quando aos que ele chama para a salvação, dizemos: que ele os recebe por sua
misericórdia gratuita, sem levar em conta a dignidade deles; que, ao contrário, o acesso à
vida é vedado a todos aqueles que ele quis deixar entregues à condenação; e que isso é
realizado por seu juízo oculto e incompreensível, conquanto justo e imparcial. Ensinamos,
ademais, que a vocação dos eleitos é como uma demonstração e um testemunho da sua
eleição. Semelhantemente dizemos que a justificação deles é outro símbolo e sinal dela, até
quando eles chegarem à glória, na qual se dará o seu cumprimento e a sua consumação.
Pois bem, assim como o Senhor assinala aqueles que ele escolheu chamando-os e
justificando-os, assim também, ao contrário, privando os réprobos do conhecimento da
sua Palavra, ou da santidade realizada pelo seu Espírito, ele demonstra por tal sinal qual
será o fim deles, e que julgamento está preparado para eles. Deixo de lado, nesta altura,
muitas fantasias forjadas por números tolos, na tentativa de derrubar a predestinação. Vou
restringir-me unicamente a considerar os argumentos deles que têm lugar entre pessoas
dotadas de saber, ou que poderiam gerar escrúpulos entre os simples, ou, ainda, que têm
alguma aparência de verdade, podendo fazer crer que Deus não é justo, se assim o
considerarmos.
O que ensinamos sobre a eleição gratuita dos crentes não é dito sem dificuldade. Porque
em geral se considera que o Senhor distingue entre os homens segundo prevê os méritos de
cada um deles. Assim sendo, ele adota e introduz no número dos seus filhos aqueles cuja
natureza ele prevê que deve ser tal que eles não são indignos da sua graça. Ao contrário,
dizem os tais mestres, Deus deixa na perdição aqueles que ele sabe que devem ser
inclinados à maldade oi à impiedade. Essa opinião, comumente aceita nesses termos, não
pertence somente à gente comum do povo; em todos os tempos, ela tem tido a seu favor
grande escritores. O que eu declaro francamente, a fim de que não se pense que isso
prejudicará muito a nossa causa, se acontecer contra nós.
Porque a verdade de Deus é tão clara neste campo que não poderá ser obscurecida; e tão
certa e firme que não poderá ser abalada por nenhuma autoridade dos homens.
Certamente o apóstolo Paulo, ao nos ensinar que "fomos eleitos em Cristo antes da criação
do mundo" [Ef 1.4], elimina toda e qualquer consideração por nossa dignidade ou
merecimento. É como se disse: visto que na semente universal de Adão, o Pai celestial não
encontrou nada que fosse digno da sua eleição, dirigiu o olhar para o seu Cristo, a fim de
eleger, como membros do seu corpo, aqueles que ele quis admitir à vida. Fique pois
definido e estabelecido este argumento entre os crentes: que Deus nos adotou em Cristo
para sermos seus herdeiros, porque em nós mesmos não tínhamos capacidade para
alcançar tão excelente posição. Isso o apóstolo registra igualmente bem noutro lugar,
quando exorta os colossenses a darem graças a Deus por havê-los feito idôneos para
participarem da herança dos santos [Cl 1.12]. Se a eleição de Deus precede a esta graça pela
qual ele nos torna idôneos para obtermos a glória da vida futura, que encontrará ele em
nós que o mova a eleger-nos?
O que pretendo mostrar ficará ainda mais bem expresso por esta outra sentença: Deus nos
escolheu, diz ele, "antes da fundação do mundo, para sermos santos e irrepreensíveis
perante ele; e em amor nos predestinou para ele, para a adoção de filhos, por meios de
Jesus Cristo, segundo o beneplácito de sua vontade" [Ef 1.4,5]. Paulo coloca o beneplácito
de Deus em oposição a todos os méritos que se possa mencionar, porque, onde quer que
reine o beneplácito de Deus, nenhuma obra entra em consideração. É certo que ele não
trata disso nessa passagem, mas devemos entender essa comparação nos termos em que
ele a explica noutro lugar, quando diz: Deus "nos salvou e nos chamou com santa vocação;
não segundo as nossas obras, mas conforme a sal própria determinação e graça que nos foi
dada em Cristo Jesus, antes dos tempos eternos" [2 Tm 1.9]. As palavras que na passagem
de Efésios ele acrescenta ("para sermos santos e irrepreensíveis") não nos livram
totalmente de inquietação. Sim, pois, se dissermos que Deus nos escolhe porque previu
que seríamos santos, estaremos invertendo a ordem seguida pelo apóstolo Paulo.
8. Sumário certo e seguro
Podemos então afirmar com segurança: visto que ele nos escolheu a fim de que fôssemos
santos, logo não foi porque previu que haveríamos de ser santos. Porque as duas coisas são
contraditórias entre si: que os crentes obtenham a sua santidade graças a sua eleição; e que
por essa santidade eles tenham sido eleitos. As astúcias sofísticas a que os tais mestres
recorrem não têm nenhum valor aqui. No presente caso, eles dizem que, embora Deus não
recompense os méritos anteriores À graça da eleição, ele os recompensa pelos méritos
futuros. Mas logo se vê que quando se diz que os crentes foram escolhidos para serem
santos, significa que toda a santidade que eles haveriam de ter tem sua origem e seu início
na escolha. E com que tipo de coerência se poderá dizer que o que é produto de eleição seja
a causa desta? Além disso, o apóstolo confirma com ainda maior firmeza o que tinha dito,
acrescentando que Deus nos escolheu conforme decreto da sua vontade, que ele
determinou em si mesmo. Isso equivale a dizer que ele não considerou coisa alguma fora
de si mesmo à qual desse atenção, quando procede a essa deliberação. Por isso Paulo
acrescenta, logo a seguir, que tudo aquilo em que se resume a nossa eleição tem que ver
com este objetivo: "para louvor da glória de sua graça". Certamente a graça de Deus só
merece ser exaltada em nossa eleição se for gratuita. Ora, não seria gratuita se Deus, ao
escolher os seus, atribuísse algum valor às obras de cada pessoas eleita. Daí se vê que o que
Cristo disse aos seus discípulos é verdade aplicável a todos os crentes. Disse ele: "Não
fostes vós que me escolhestes a mim; pelo contrário, eu vos escolhi a vós outros" [Jo 15.16].
Com isso ele não somente exclui todos os méritos anteriores, mas também quer dizer que
eles não tinham nada em si mesmos que desse motivo para serem escolhidos, pois ele se
antecedeu a eles com a sua misericórdia. Nesse sentido devemos também tomara estes
dizeres do apóstolo Paulo: "Quem primeiro deu a ele para que lhe venha a ser restituído?"
[Rm 11.35] Porque ele quer mostrar que a bondade de Deus de tal maneira se antecipa aos
homens que ela não encontra nada neles, nem quanto ao passado nem quanto ao futuro,
que lhes possibilites cooperar com ela.
9. Ilustra baseada em Jacó e Esaú
Acresce que, na Epístola aos Romanos, onde Paulo começa este argumento do ponto mais
alto e depois lhe dá seqüência mais ampla, ele trata, sob o exemplo de Jacó e Esaú, da
condição dos eleitos e dos reprovados, e o faz desta maneira [Rm 9.11-13]: "E ainda não
eram os gêmeos nascidos, nem tinham praticado o bem ou o mal) para que o propósito de
Deus, quanto à eleição, prevalecesse, não por obras, mas por aquele que chama), já fora
dito a ela: o mais velho será servo do mais moço. Como está escrito: Amei Jacó, porém me
aborreci de Esaú". Que é que pretende aqueles que, obscurecendo essas palavras, atribuem
algum lugar às obras em nossa eleição (quer anteriores quer futuras)? Isso é inverter
completamente o que o apóstolo diz, pois, segundo este, a diferença existente entre os dois
irmãos não depende em nenhum aspecto das suas obras, mas da pura e simples vocação de
Deus. Sim, porquanto Deus determinou o que iria fazer antes de eles terem nascido. A
sutileza utilizada pelos sofistas não escaparia ao conhecimento de Paulo, se tivesse algum
fundamento. Mas, como ele sabia que Deus não poderia prever nada de bom no homem,
senão o que deliberou dar-lhe pela graça da sua eleição, deixou de lado essa opinião
perversa, que consiste em preferir as boas obras às sua causa e origem. Das palavras do
apóstolo, deduzimos que a salvação dos que crêem funda-se no beneplácito da eleição de
Deus, e que esta graça não é adquirida por boas obras, mas lhes vem da sua bondade
gratuita. Elas nos propiciam também como que um espelho ou um quadro que representa
esta verdade. Esaú e Jacó são irmãos, gerados dos mesmos pais, de uma mesma gestação,
estando juntos no ventre de sua mãe antes de nascerem. Todas as coisas são semelhantes
num e no outro; todavia, o juízo de Deus distingue entre eles, pois escolhe um e rejeitou o
outro. Só restava a questão da primogenitura, que fazia que um fosse preferido ao outro.
Mas mesmo isso foi deixado para trás; foi dado ao que nasceu por último o que foi gerado
ao que nasceu primeiro.
10. Outros exemplos
Em muitos outros casos se vê que Deus, com deliberado propósito, desprezou a
primogenitura a fim de extirpar da carne todo elemento de glória. Rejeitando Ismael, ligou
o seu coração a Isaque; rebaixando Manasses, preferiu Efraim [Gn 17 e 48 (ver Gn21.12)].
Se alguém replicar que não devemos julgar questões relacionadas com a vida eterna
recorrendo a coisas inferiores e levianas, e que é uma zombaria inferior que aquele que
exaltado pela honra da primogenitura é adotado como participante da herança celestial
(havendo alguns que não poupam nem mesmo o apóstolo Paulo, dizendo que abusou dos
testemunhos da Escritura, aplicando-os a este assunto), respondo que o apóstolo não falou
disso inconsideradamente, e não quis torcer o sentido dos testemunhos da Escrituras; mas
ele enxergava o que esse tipo de gente incapaz de considerar. É que Deus quis, por meio de
um sinal corporal, representar a eleição espiritual de Jacó, a qual, noutro aspecto, estava
oculta em seu conselho secreto. Porque, se não aplicássemos à vida futura a primogenitura
que foi dada a Jaci, a Bênção que ele recebeu seria totalmente ridícula, porque não teria
outra coisa senão total miséria e calamidade.
Vendo, pois, o apóstolo Paulo que Deus, por meio dessa bênção exterior testificou sua
bênção eterna, que ele preparou em seu reino celestial para o seu servo, não teve dúvida
nenhuma em tomar o argumento de que Jacó recebeu primogenitura para provar que ele
foi escolhido por Deus. Portanto, Jacó foi eleito, Esaú tendo sido repudiando, e assim é
feita distinção entre eles pela eleição de Deus – apesar de não haver diferença em seus
méritos.
11. Qual o motivo disso?
Se alguém pedir a razão disso, Paulo lhe dará; é o que Deus disse a Moisés: "Terei
misericórdia de quem eu tiver misericórdia e me compadecerei de quem em me
compadecer" [Ex 33.19 (Rm 9.14-16)]. E que será que isso quer dizer? Claro está que o
Senhor afirma explicitamente que não encontra em nós nenhuma razão pela qual deva
fazer-nos bem, mas que se baseia totalmente em sua misericórdia, pelo que a salvação dos
seus é sua obra, de mais ninguém.
Aqui são apenas as nove primeiras páginas do capítulo VIII da Institutas – Edição
especial. Calvino continua a desenvolver este assunto de forma maravilhosa nas páginas
seguintes. Compre este maravilhoso livro em http://www.cep.org.br de seqüência a leitura.

Autor: João Calvino

Fonte: As Institutas da Religião Cristã, edição especial, ed. Cultura Cristã, Vol 3, pg 37-46.

14:29

A Soberania de Deus



Para a maioria dos reformadores, o principal e o mais distinto artigo do credo é a soberania de Deus.
Soberania significa governo, e a soberania de Deus significa que Deus governa sua criação com absoluto
poder e autoridade. Ele determina o que vai acontecer, e acontece. Deus não fica alarmado, frustrado ou
derrotado pelas circunstâncias, pelo pecado ou pela rebeldia de suas criaturas.iii
Deus Reina: A Soberania Divina
"Mas ao fim daqueles dias, eu, Nabucodonosor, levantei os olhos ao céu, tornou-me a vir o
entendimento, e eu bendisse o Altíssimo, e louvei, e glorifiquei ao que vive para sempre, cujo domínio é
sempiterno, e cujo reino é de geração em geração. Todos os moradores da terra são por ele reputados
em nada; e, segundo a sua vontade, ele opera com o exército do céu e os moradores da terra; não há
quem lhe possa deter a mão, nem lhe dizer: Que fazes?". (Dn 4:34,35)
A afirmação de que Deus é absolutamente soberano na criação, na providência e na salvação é básica à
crença bíblica e ao louvor bíblico. A visão de Deus reinando de seu trono é repetida muitas vezes (1Rs
22.19; Is 6.1; Ez 1.26; Dn 7.9; Ap 4.2; conforme Sl 11.4; 45.6; 47.8-9; Hb 12.2; Ap 3.21). Somos
constantemente lembrados, em termos explícitos, que o SENHOR (Javé) reina como rei, exercendo o seu
domínio sobre grandes e pequenos, igualmente (Ex 15.18; Sl 47; 93; 96.10; 97; 99.1-5; 146.10; Pv 16.33;
21.1; Is 23.23; 52.7; dn 4.34-35; 5.21-28; 6.26; Mt 10.29-31). O domínio de Deus é total: ele determina
como ele mesmo escolhe e realiza tudo o que determina, e nada pode deter seu propósito ou frustrar os
seus planos. Ele exerce o seu governo no curso normal da vida, bem como nas mais extraordinárias
intervenções ou milagres.
As criaturas racionais de Deus, angélicas ou humanas, gozam de livre ação, isto é, têm o poder de tomar
decisões pessoais quanto àquilo que desejam fazer. Não seríamos seres morais, responsáveis perante
Deus, o Juiz, se não fosse assim. Nem seria possível distinguir – como as Escrituras fazem – entre os
maus propósitos dos agentes humanos e os bons propósitos de Deus, que soberanamente, governa a ação
humana como meio planejado para seus próprios fins (Gn 50.20; At 2.23; 13.26-39). Contudo, o fato da
livre ação nos confronta com um mistério. O controle de Deus sobre os nossos atos livres – atos que
praticamos por nossa própria escolha – é tão completo como o é sobre qualquer outra coisa. Mas não
sabemos como isso pode ser feito. Apesar desse controle, Deus não é e não pode ser autor do pecado. Deus
conferiu responsabilidade aos agentes morais, no que concerne aos seus pensamentos, palavras e obras,
segundo a sua justiça. O Sl 93 ensina que o governo soberano de Deus (a) garante a estabilidade do
mundo contra todas as forças do caos (vs. 1-4); (b) confirma a fidedignidade de todas as declarações e
ensinos de Deus (v. 5) e (c) exige a adoração do seu povo (v. 5). O salmo inteiro expressa alegria,
esperança e confiança no Todo-Poderoso.
Fonte: Bíblia de Estudo de Genebra, Nota Teológica, página 991 [Editor Geral: R. C. Sproul].

15:40

Perseverance of Saints (Perseverança dos Santos) -

Todos os eleitos vão perseverar na fé
até o fim e chegar ao céu. Nenhum perderá a salvação.


Um nome melhor seria "perseverança de Deus para com os santos", mas ambas as idéias estão realmente
juntas. Deus persevera conosco, protegendo-nos de deixar a fé, que certamente aconteceria se ele não
estivesse conosco. Mas, porque ele persevera, nós também perseveramos. Na realidade, perseverança é a
prova definitiva de eleição.ix
O eleito está eternamente seguro em Cristo, que preserva para Si mesmo, capacitando-lhe a perseverar
nEle até o fim. Aqueles que professam ser cristãos, e se apostatam da fé (1 Tm 4:1), são como João disse:
"eles saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois se fossem dos nossos, teriam
permanecido conosco; o fato de terem saído mostra que nenhum deles era dos nossos" (1 Jo 2:19).x
A Perseverança dos Santos
Jo 6.35-40; Rm 8.31-39; Fp 1.6; 2 Ts 2.14-19; Hb 9.11-15
A maioria de nós conhece pessoas que fizeram uma profissão de fé em Cristo e que provavelmente tiveram
uma forte manifestação de fé, envolvendo-se ativamente na vida e no ministério da Igreja, e que mais
tarde repudiaram a fé e se tornaram "afastados" espirituais. Tais evidências sempre suscitam a pergunta:
pode uma pessoa, uma vez salva, perder a salvação? A apostasia é um presente e claro perigo para o
crente?
A igreja Católica Romana ensina que as pessoas podem perder e perdem a sua salvação. Se cometem um
pecado mortal, tal pecado mata a graça da justificação que habita sua alma. Se a pessoa morre antes de ser
restaurada ao estado de graça por meio do sacramento e penitência, irá para o inferno.
Muitos protestantes também crêem que é possível alguém perder a salvação. As advertências de Hebreus
6 e a preocupação de Paulo sobre tornar-se "desqualificado" (1 Co 9.27), bem como os exemplos do rei
Saul e outros, tudo isso tem levado à conclusão de que as pessoas podem cair total e definitivamente da
graça. A teologia reformada, por outro lado, ensina a doutrina da perseverança dos santos, a qual às vezes
é chamada também a doutrina da "segurança eterna". Em essência, essa doutrina ensina que se você
possui a fé salvadora, nunca irá perdê-la; se você a perde, é porque nunca teve. Conforme João
escreve:"Saíram de nós, mas não eram de nós; porque, se fossem de nós, ficariam conosco; mas isto é para
que se manifestasse que não são todos de nós."(1 Jo 2.19).
Sabemos que é possível as pessoas ficarem enamoradas de certos elementos do cristianismo sem jamais
abraçar o próprio Jesus Cristo.Um jovem pode ser atraído a uma divertida e estimulante reunião de
jovens na igreja, com uma atraente programação. Ele pode se "converter" à programação da igreja sem se
converter a Jesus Cristo. Tal pessoa pode ser como aquelas ilustradas na parábola do semeador .
"Um semeador saiu a semear a sua semente e, quando semeava, caiu alguma junto do caminho, e foi
pisada, e as aves do céu a comeram; E outra caiu sobre pedra e, nascida, secou-se, pois que não tinha
umidade; E outra caiu entre espinhos e crescendo com ela os espinhos, a sufocaram; E outra caiu em boa
terra, e, nascida, produziu fruto, a cento por um. Dizendo ele estas coisas, clamava: Quem tem ouvidos
para ouvir, ouça." Lc 8.5-8
A parábola pode referir-se àquelas pessoas que a principio crêem, mas depois fracassam, ou pode
significar que os que "creram" tinham uma fé falsa ou espúria[não genuína], como a teologia reformada
afirma. Só a semente que cai na terra boa pode produzir frutos de obediência. Jesus descreve tais pessoas
como as que ouvem a palavra "de bom e reto coração" (Lc 8.15). Essa fé procede de uma coração
verdadeiramente regenerado.
A doutrina da preservação não se baseia em nossa capacidade para perseverança, mesmo sendo
regenerados. Pelo contrário, descansa na promessa de Deus de nos preservar. Paulo escreve aos
Filipenses: "Tendo por certo isto mesmo, que aquele que em vós começou a boa obra a aperfeiçoará até ao
dia de Jesus Cristo;" (Fp 1.6). É pela graça, e tão-somente pela graça, que o cristão persevera. Deus
termina o que começa.Ele assegura que seus propósitos na eleição não serão frustrados.
O texto áureo de Romanos 8 fornece um testemunho adicional desta esperança: "E aos que predestinou a
estes também chamou; e aos que chamou a estes também justificou; e aos que justificou a estes também
glorificou." (Rm 8.30).Paulo prossegue e declara que nada "nos poderá separar do amor de Deus, que está
em Cristo Jesus nosso Senhor." (Rm 8.39).
Temos segurança porque a salvação é do Senhor e somos feitura sua. Ela dá o Espírito Santo a todo crente
como uma garantia de que completará o que começou. Semelhantemente, Deus selou todo crente com o
Espírito Santo. Ele nos marcou de maneira indelével e nos deu um pagamento antecipado ou sinal que
garante que concluirá a transação.
Uma base final de confiança se encontra na obra sacerdotal de Cristo, que intercede por nós. Assim como
Jesus orou pela restauração de Pedro (e não pela da Judas), ele também ora pela nossa restauração
quando tropeçamos e caímos. Podemos permanecer caídos por algum tempo, mas nunca total ou
definitivamente. Jesus orou no Cenáculo :"Estando eu com eles no mundo, guardava-os em teu nome.
Tenho guardado aqueles que tu me deste, e nenhum deles se perdeu, senão o filho da perdição, para que a
Escritura se cumprisse." (Jo 17.12). Somente Judas Iscariotes, que era filho da perdição desde o princípio,
cuja profissão de fé oi espúria, se perdeu. Aqueles que são verdadeiramente crentes não podem ser
arrebatados das mãos de Deus.
"As minhas ovelhas ouvem a minha voz, e eu conheço-as, e elas me seguem; E dou-lhes a vida eterna, e
nunca hão de perecer, e ninguém as arrebatará da minha mão. Meu Pai, que mas deu, é maior do que
todos; e ninguém pode arrebatá-las da mão de meu Pai. Eu e o Pai somos um."(Jo 10.27-30).
Sumário
1. Muitas pessoas fazem uma profissão de fé em Jesus Cristo e depois o repudiam.
2. A perseverança dos santos nas promessas de Deus de preservar os santos.
3. Deus completará a salvação dos eleitos.
4. Aqueles que se desviam da fé nunca foram verdadeiramente crentes.
5. Podemos ter certeza de nossa salvação porque fomos selados com o Espírito Santo. Ele é a garantia de
Deus de que nossa salvação será completada.
6. A intercessão de Cristo visa nossa preservação.
Autor: R. C. Sproul
Fonte: 2º Caderno Verdades Essenciais da Fé Cristã – R.C.Sproul. Editora Cultura Cristã.

A Perseverança dos santos (permanecer cristão)
Nota: AT = Antigo Testamento; NT = Novo Testamento
Pode o verdadeiro cristão perder a salvação?
Como podemos saber se verdadeiramente nascemos de novo?

1. EXPLICAÇÃO E BASE BÍBLICA
Em nossa discussão anterior tratamos de muitos aspectos da salvação plena que Cristo obteve para nós e
que o Espírito agora aplica à nossa vida. Mas como sabemos que continuaremos a ser cristãos por toda a
vida? Há algo que nos impede de abandonar Cristo, algo que nos garante que sempre haveremos de
permanecer cristãos até que morramos e que de fato viveremos com Deus no céu para sempre? Ou poderá
acontecer de chegarmos a nos separar de Cristo e de perdermos as bênçãos de nossa salvação? O tópico da
perseverança dos santos responde a essas perguntas.A perseverança dos santos significa que todos os que
verdadeiramente nasceram de novo serão guardados pelo poder de Deus e perseverarão como cristãos até
o fim da vida, e que somente os que perseverarem até o fim verdadeiramente nasceram de novo.
Essa definição tem duas partes. Ela indica primeiro que há uma certeza concedida aos que
verdadeiramente nasceram de novo, pois ela lhes recorda que o poder de Deus os guardará como cristãos
até o dia em que vierem a morrer e que eles certamente viverão com Cristo no céu para sempre. Por outro
lado, a segunda metade da definição deixa claro que a permanência na vida cristã é uma das evidências de
que a pessoa verdadeiramente nasceu de novo. É importante registrar também esse aspecto da doutrina
na mente, para que evitemos passar falsa segurança às pessoas que nunca foram realmente crentes.
Devemos observar que esse é um assunto sobre o qual os cristãos evangélicos vêm discordando há longo
tempo. Muitos dentro da tradição arminiana/wesleyana sustentam que é possível alguns que
verdadeiramente nasceram de novo virem a perder a salvação, ao passo que os cristãos reformados
defendem que isso não é possível. A maioria dos batistas segue a tradição reformada nesse ponto;
contudo, muitas vezes usam o termo segurança eterna ou segurança eterna do crente em vez do termo
perseverança dos santos.
"A doutrina da perseverança dos santos é representada pela letra "p" no acróstico TULIP, que muitas
vezes é usado para sintetizar os chamados "cinco pontos do calvinismo"
A. Todos os que verdadeiramente nasceram de novo perseverarão até o fim
Muitas passagens ensinam que os que verdadeiramente nasceram de novo, os genuinamente cristãos,
continuarão na vida cristã até a morte e, a seguir, ficarão com Cristo no céu. Jesus diz: "Pois desci dos
céus, não para fazer a minha vontade, mas para fazer a vontade daquele que me enviou. E esta é a vontade
daquele que me enviou: que eu não perca nenhum dos que ele me deu, mas os ressuscite no último dia.
Porque a vontade de meu Pai é que todo aquele que olhar para o Filho e nele crer tenha a vida eterna, e eu
o ressuscitarei no último dia" (Jo 6.38-40). Aqui Jesus diz que todo o que crê nele terá vida eterna. Diz
que ressuscitará essa pessoa no último dia — o que, nesse contexto de crer no Filho e ter vida eterna,
claramente significa que Jesus ressuscitará a pessoa para a vida eterna com ele (não apenas a ressuscitará
para ser julgada e condenada). Parece difícil evitar a conclusão de que quem verdadeiramente crê em
Cristo permanecerá cristão até o dia da ressurreição final com bênçãos de vida na presença de
Deus. Além disso, esse texto enfatiza que Jesus faz a vontade do Pai, que é não perder nenhum dos que o
Pai lhe dera (Jo 6.39). Uma vez mais, os que foram dados ao Filho pelo Pai não se perderão.
Outra passagem que salienta essa verdade é João 10.27-29, na qual Jesus diz: "As minhas ovelhas ouvem
a minha voz; eu as conheço, e elas me seguem. Eu lhes dou a vida eterna, e elas me seguem. Eu lhes dou a
vida eterna, e elas jamais perecerão; ninguém as poderá arrancar da minha mão. Meu Pai, que as deu para
mim, é maior do que todos; ninguém as pode arrancar da mão de meu Pai".
Aqui Jesus diz que os que o seguem, que são suas ovelhas, recebem vida eterna. Além disso, ele diz que
"ninguém as poderá arrancar da minha mão" (v. 28). Ora, alguns têm argumentado que, mesmo que
ninguém possa ser arrebatado da mão de Cristo, nós podemos escapar por nós mesmos das mãos de
Cristo. Mas essa parece apenas uma disputa de palavras — a expressão "ninguém" não inclui também a
pessoa que está nas mãos de Cristo? Além disso, sabemos que nosso coração está longe de ser digno de
confiança. Portanto, se a possibilidade de nós próprios abandonarmos Cristo permanecesse, a passagem
dificilmente daria a segurança que Jesus pretende transmitir nela.
Mais importante ainda, a frase mais vigorosa na passagem é "e elas jamais perecerão" (v. 28). A
construção grega (ou me mais o aoristo subjuntivo) é especialmente enfática e poderia ser traduzida mais
explicitamente por: "e eles com certeza não perecerão eternamente". Isso enfatiza que os que são
"ovelhas" de Jesus e o seguem, e a quem ele deu vida eterna, nunca perderão a salvação ou serão
separados de Cristo — jamais "perecerão".
Há muitas outras passagens que dizem que os que crêem têm "vida eterna". Um exemplo é João 3.36:
"Quem crê no Filho tem a vida eterna" (v. tb. Jo 5.24; 6.4-7; 10.28; 1Jo 5.13). Ora, se essa é
verdadeiramente a vida eterna que os crentes possuem, então é a vida que dura para sempre com Deus.
Ela é muitas vezes colocada em contraste com a condenação e com o juízo eterno (Jo 3.16,17,36; 10.28), e
a ênfase nesse texto com o adjetivo eterna mostra adicionalmente que essa é a vida que dura para sempre
na presença de Deus.
A evidência nos escritos de Paulo e em outras cartas do NT também indica que quem verdadeiramente
nasceu de novo perseverará até o fim. Neles se ressalta igualmente que "agora já não há condenação para
os que estão em Cristo Jesus" (Rm 8.1). Portanto, seria injusto Deus atribuir qualquer espécie de punição
eterna aos que são cristãos — nenhuma condenação permanece para eles, pois a penalidade total de seus
pecados já foi paga.
Então, em Romanos 8.30, Paulo enfatiza a conexão clara entre os propósitos eternos de Deus na
predestinação e o desenvolvimento desses propósitos na vida, juntamente com a realização final desses
propósitos em "glorificar" ou dar corpos ressuscitados a quem ele colocou em união com Cristo: "E aos
que predestinou, também chamou; aos que chamou, também justificou; aos que justificou, também
glorificou". Aqui Paulo vê o evento futuro da glorificação como uma certeza nos propósitos que Deus
estabeleceu, de forma que ele pode falar sobre ele como se já houvesse se realizado ("também glorificou").
Isso é verdade a respeito de todos os que são chamados e justificados — ou seja, todos os que
verdadeiramente se tornaram cristãos.
Evidência adicional de que Deus guarda os que nasceram de novo de modo seguro por toda a eternidade é
o "selo" que Deus coloca sobre eles. Esse "selo" é o Espírito Santo dentro deles, que também atua como
"garantia" de Deus de que receberemos a herança que nos foi prometida:
"Quando vocês ouviram e creram na palavra da verdade, o evangelho que os salvou, vocês foram selados
em Cristo com o Espírito Santo da promessa, que é a garantia da nossa herança até a redenção daqueles
que pertencem a Deus, para o louvor da sua glória" (Ef 1.13,14). A palavra grega traduzida por "garantia"
nessa passagem (arrabon) é um termo legal e comercial que significa "primeiro pagamento, depósito,
entrada, prestação inicial" e representa "um pagamento que obriga a parte contratante a fazer os
pagamentos restantes". Quando Deus enviou o Espírito Santo para habitar em nós, ele se comprometeu a
dar todas as bênçãos restantes da vida eterna e uma grande recompensa no céu com ele. Essa é a razão
por que Paulo pode dizer que o Espírito Santo é a "garantia da nossa herança até a redenção daqueles que
pertencem a Deus" (Ef 1.14). Todos os que têm o Espírito Santo dentro de si, todos os que
verdadeiramente nasceram de novo, têm a promessa imutável e a garantia de que a herança da vida
eterna no céu certamente será deles. A própria fidelidade de Deus o obriga a fazer isso.
Pedro diz a seus leitores que eles estão "protegidos pelo poder de Deus até chegar a salvação prestes a ser
revelada no último tempo"(lPe 1.5).A palavra "protegidos" (gr.,phroureo) pode significar tanto "guardados
de escapar" quanto "protegidos de ataque", e talvez esses dois significados estejam presentes aqui: Deus
preserva os crentes de escaparem do seu Reino como os protege dos ataques externos. "Salvação" é usada
aqui não em relação à justificação passada ou à santificação presente (falando em categorias teológicas),
mas em referência à plena posse futura de todas as bênçãos de nossa redenção — ao cumprimento
completo e final da salvação (cf. Rm 13.11; 1 Pe 2.2). Embora a salvação já esteja preparada ou pronta, ela
não será "revelada" por Deus à raça humana em geral até o "último tempo", o tempo do juízo final. Se essa
proteção de Deus tem como propósito a preservação dos crentes até que recebam a plena salvação
celestial, então é certo concluir que Deus cumprirá esse propósito e que eles, de fato, alcançarão a
salvação final. Essa obtenção da salvação final em última instância depende do poder de Deus.
B. Somente os que perseverarem até o fim é que verdadeiramente nasceram de novo
Ao mesmo tempo em que a Escritura repetidamente enfatiza que quem verdadeiramente nasceu de novo
perseverará até o fim e certamente terá a vida eterna no céu com Deus, há também outras passagens que
falam sobre a necessidade de permanecer na fé no decorrer da vida. Elas nos fazem compreender que o
que Pedro disse em l Pedro 1.5 ("mediante a fé, são protegidos pelo poder de Deus") é verdadeiro, a saber,
que Deus não nos guarda independentemente de nossa fé nele. Desse modo, quem continua a confiar em
Cristo recebe a segurança de que Deus opera nele e o guarda.
Um exemplo dessa espécie de passagem é João 8.31,32: "Disse Jesus aos judeus que haviam crido nele:
‘Se vocês permanecerem firmes na minha palavra, verdadeiramente serão meus discípulos. E conhecerão
a verdade, e a verdade os libertará"’. Jesus está aqui advertindo que uma evidência da fé genuína é a
permanência na sua Palavra, isto é, a contínua confiança no que ele diz e uma vida de obediência aos seus
mandamentos. Semelhantemente, Jesus diz: "aquele que perseverar até o fim será salvo" (Mt 10.22),
como um meio de advertir as pessoas a não desistir nos tempos de perseguição.
Paulo diz aos cristãos de Colossos que Cristo os havia reconciliado com Deus "para apresentá-los diante
dele santos, inculpáveis e livres de qualquer acusação, desde que continuem alicerçados e firmes na fé,
sem se afastarem da esperança do evangelho, que vocês ouviram e que tem sido proclamado a todos os
que estão debaixo do céu" (Cl 1.22,23). É natural que Paulo e outros escritores do NT falem desse modo,
pois embora estejam se dirigindo a grupos de pessoas que professam ser cristãs, não estão aptos a saber o
real estado do coração das pessoas. Pode ser que houvesse pessoas em Colossos que se uniram na
comunhão da igreja, professaram que tinham fé em Cristo e foram batizados na igreja, mas que nunca
tiveram a verdadeira fé salvadora. Como Paulo distinguiria tais pessoas dos verdadeiros crentes? Como
ele pode evitar dar-lhes a falsa segurança, a segurança de que eles serão salvos eternamente, quando na
verdade eles não o serão, a menos que venham ao arrependimento e à fé? Paulo sabe que aqueles cuja fé
não é real finalmente acabarão por abandonar a participação na comunhão da igreja. Portanto, ele diz a
seus leitores que, em última análise, eles serão salvos se continuarem "alicerçados e firmes na fé" (Cl
1.23). Quem persevera mostra, desse modo, que é crente genuíno. Mas quem não persevera na fé
demonstra que não houve nenhuma fé genuína em seu coração.
Ênfase similar é vista em Hebreus 3.14: "pois passamos a ser participantes de Cristo, desde que, de fato,
nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio". Esse versículo proporciona uma
perspectiva excelente da doutrina da perseverança. Como sabemos se passamos a ser participantes de
Cristo? Como sabemos se essa união com Cristo realmente aconteceu em algum momento do passado?
Um meio de sabermos que possuímos tal fé genuína em Cristo é se perseveramos com fé até o fim da vida.
Devemos nos lembrar de que há outras evidências em outras partes da Escritura que dão aos cristãos a
segurança da salvação. Dessa forma, não devemos pensar que a segurança de que pertencemos a Cristo é
impossível até que morramos. Contudo, a perseverança na fé é um meio de segurança que é mencionado
aqui pelo autor de Hebreus. Além disso, nessa e em todas as outras passagens a respeito da necessidade
de continuar na fé, o propósito nunca é deixar os que estão presentemente confiando em Cristo
preocupados com o fato de que, em algum tempo, no futuro, possam cair. Nunca devemos usar essas
passagens com tal intenção, pois seria criar uma causa injusta para preocupação de uma forma que a
Escritura não pretende. Ao contrário, o propósito é sempre advertir os que estão pensando em abandonar
a fé ou que já a abandonaram de que, se eles se portam assim, essa é uma forte indicação de que nunca
foram salvos. Portanto, a necessidade de perseverar na fé deveria ser usada apenas como advertência
contra abandonar a fé, advertência de que quem a abandona dão evidência de que sua fé nunca foi real.
C. Os que finalmente se afastam podem dar muitos sinais externos de conversão.
Sempre fica claro quais pessoas na igreja possuem a genuína fé salvadora e quais as possuem somente
uma persuasão intelectual da verdade do evangelho, mas sem a genuína fé em seu coração? Nem sempre é
fácil dizer isso, e a Escritura menciona em diversos lugares que descrentes em comunhão com a igreja
visível podem apresentar alguns sinais externos ou indicações que os fazem parecer crentes genuínos. Por
exemplo, Judas, que traiu Cristo, deve ter se comportado quase exatamente como os outros discípulos
durante os três anos que esteve com Jesus. Tão convincente era a sua conformidade com a conduta
padrão dos outros discípulos que, no fim dos três anos de ministério de Jesus, quando ele disse que um
dos seus discípulos o haveria de trair, eles não suspeitaram de Judas, antes "começaram a dizer-lhe, um
após outro: ‘Com certeza não sou eu, Senhor!"’ (Mt 26.22; cf. Mc 14.19; Lc 22.23; Jo 13.22). Contudo,
Jesus sabia que não havia fé genuína no coração de Judas, porque ele disse a determinada altura: "Não fui
eu que os escolhi, os Doze? Todavia, um de vocês é um diabo!" (Jo 6.70). João registrara anteriormente
que "Jesus sabia desde o princípio quais deles não criam e quem o iria trair" (Jo 6.64), mas os discípulos
não sabiam disso.
Paulo também fala que "falsos irmãos infiltraram-se em nosso meio" (Gl 2.4) e diz que em suas jornadas
estivera em "perigos dos falsos irmãos" (2Co 11.26). Também diz dos servos de Satanás: "não é surpresa
que os seus servos finjam que são servos da justiça" (2Co 11.15). Isso não significa que todos os descrentes
na igreja que dão alguns sinais de verdadeira conversão são servos de Satanás que estão secretamente
minando a obra da igreja, porque alguns realmente podem estar no processo de considerar as afirmações
do evangelho e se dirigir à fé real, outros podem ter ouvido a explicação do evangelho de modo
inadequado, e outros podem não ter vindo ainda à genuína convicção do Espírito Santo. Mas as
afirmações de Paulo realmente significam que alguns descrentes na igreja serão falsos irmãos enviados
para romper a comunhão, enquanto outros simplesmente serão descrentes que finalmente poderão vir à
fé salvífica. Em ambos os casos, contudo, eles apresentam diversos sinais externos que os fazem parecer
crentes genuínos.
Podemos ver isso também na afirmação de Jesus a respeito do que vai acontecer no julgamento final:
"Nem todo aquele que me diz: ‘Senhor, Senhor’, entrará no Reino dos céus, mas apenas aquele que faz a
vontade de meu Pai que está nos céus. Muitos me dirão naquele dia: ‘Senhor, Senhor, não profetizamos
em teu nome? Em teu nome não expulsamos demônios e não realizamos muitos milagres?’ Então eu lhes
direi claramente: Nunca os conheci. Afastem-se de mim vocês, que praticam o mal!" (Mt 7.21-23).
Embora essas pessoas tenham profetizado, expelido demônios e feito muitos milagres no nome de Jesus,
a capacidade de fazer tais obras não era garantia de que fossem cristãos. Jesus diz: "Nunca os conheci".
Ele não diz: "Eu conheci vocês por um tempo, mas agora não os conheço mais", ou "Eu conheci vocês por
um tempo, mas vocês se extraviaram de mim". Antes, ele diz: "Eu nunca conheci vocês". Eles nunca
haviam sido crentes genuínos.
Ensino semelhante é encontrado na parábola do semeador em Marcos 4. Jesus diz: "Parte dela caiu em
terreno pedregoso, onde não havia muita terra; e logo brotou, porque a terra não era profunda. Mas
quando saiu o sol, as plantas se queimaram e secaram, porque não tinham raiz" (Mc 4.5,6). Jesus explica
que a semente semeada no solo pedregoso representa as pessoas que "ouvem a palavra e logo a recebem
com alegria. Todavia, visto que não têm raiz em si mesmas, permanecem por pouco tempo. Quando surge
alguma tribulação ou perseguição por causa da palavra, logo a abandonam" (Mc 4.16,17). O fato de que
elas "não têm raiz em si mesmas" indica que não há nenhuma fonte de vida dentro dessas plantas;
semelhantemente, as pessoas representadas por elas não possuem vida genuína em seu interior. Elas
possuem uma aparência de conversão e aparentemente se tornaram cristãs, porque recebem a palavra
"com alegria", mas, quando a dificuldade vem, elas não são encontradas — a conversão delas não era
genuína e não havia sinal nenhum de fé salvadora em seu coração.
A importância de perseverar na fé é afirmada também na parábola de Jesus sobre a vinha, na qual os
cristãos são retratados como ramos (Jo 15.1-7). Jesus diz: "Eu sou a videira verdadeira, e meu Pai é o
agricultor. Todo ramo que, estando em mim, não dá fruto, ele corta; e todo que dá fruto ele poda, para que
dê mais fruto ainda. Se alguém não permanecer em mim, será como o ramo que é jogado fora e seca. Tais
ramos são apanhados, lançados ao fogo e queimados" (Jo 15. 1,2,6).
Os arminianos argumentam que os ramos que não dão fruto são ainda verdadeiros ramos da videira —
Jesus se refere a "todo ramo que, estando em mim, não dá fruto" (v. 2). Portanto, os ramos que são
juntados, lançados no fogo e queimados devem se referir a verdadeiros crentes que em determinado
tempo foram parte da videira, mas caíram e se tornaram sujeitos ao juízo eterno. Mas essa não é a
implicação necessária do ensino de Jesus nesse ponto.A figura da videira usada nessa parábola é limitada
na quantidade de detalhes que ensina. De fato, se Jesus tivesse querido ensinar que havia verdadeiros e
falsos crentes associados com ele, então o único modo pelo qual ele poderia referir-se às pessoas que não
possuíam vida genuína em si mesmas seria falar dos ramos que não davam fruto (logo após a analogia das
sementes que caíram em solo pedregoso e não tinham "raiz em si mesmas", em Mc 4.17). Aqui em João l5
os ramos que não dão fruto, embora estejam de algum modo relacionados com Jesus e tenham a
aparência exterior de serem ramos genuínos, indicam seu verdadeiro estado pelo fato de que não
produzem fruto. Isso é demonstrado de forma semelhante pelo fato de que, se uma pessoa "não
permanecer" em Cristo (Jo 15.6), é cortada como um ramo e se seca. Se tentarmos pressionar a analogia
para além disso, dizendo, por exemplo, que todos os ramos da videira são realmente vivos ou não
estariam lá, então estamos simplesmente tentando forçar a figura a ir além do que ela é capaz de ensinar
— e nesse caso não haveria nada na analogia que pudesse representar os falsos crentes. O ponto afirmado
pela figura é simplesmente que os que produzem fruto desse modo dão evidência de que permanecem em
Cristo; os que não produzem fruto, não estão permanecem nele.
Finalmente, há duas passagens em Hebreus que também afirmam que os que acabam caindo podem dar
muitos sinais externos de conversão e podem parecer de muitas maneiras iguais aos cristãos. O primeiro
deles, Hebreus 6.4-6, é muito usado pelos arminianos como prova de que crentes podem perder a
salvação. Mas a análise mais criteriosa mostra que tal interpretação não é convincente. O autor escreve:
"Ora, para aqueles que uma vez foram iluminados, provaram o dom celestial, tornaram-se participantes
do Espírito Santo, experimentaram a bondade da palavra de Deus e os poderes da era que há de vir, e
caíram, é impossível que sejam reconduzidos ao arrependimento; pois para si mesmos estão crucificando
de novo o Filho de Deus, sujeitando-o à desonra pública" (Hb 6.4-6).
Neste momento podemos perguntar que espécie de pessoa é descrita por todos esses termos. Esse texto
descreve alguém que genuinamente nasceu de novo? Tratavam-se sem dúvida de pessoas que estavam
associadas intimamente com a comunhão da igreja. Haviam tido alguma espécie de tristeza pelo pecado
(arrependimento). Haviam entendido claramente o evangelho (haviam sido iluminadas). Chegaram a
apreciar o encanto da vida cristã e a mudança que acontece na vida das pessoas pelo fato de se tornarem
cristãs, provavelmente obtiveram respostas de oração e sentiram o poder do Espírito Santo em operação,
talvez até usando alguns dons espirituais do mesmo modo que os descrentes em Mateus 7.22 (haviam se
associado à obra do Espírito Santo ou tinham se tornado "participantes" do Espírito, e tinham provado o
dom celestial e os poderes vindouros). Elas haviam sido expostas à verdadeira pregação da Palavra e
tinham aprovado muito dos seus ensinos (elas provaram a boa Palavra de Deus).
Mas, a despeito de tudo isso, se elas "caíram" em apostasia, "crucificando de novo o Filho de Deus" para si
mesmas (Hb 6.6), então elas estão deliberadamente rejeitando todas essas bênçãos e se voltando
decididamente contra elas. O autor nos diz que, se isso ocorre, será impossível restaurar essas pessoas
novamente a qualquer espécie de arrependimento ou tristeza pelo pecado. O seu coração será endurecido
e sua consciência, amortecida. A familiaridade repetida que elas tiveram com as coisas de Deus e sua
experiência da influência do Espírito Santo em diversas ocasiões simplesmente serviram para endurecê-
las para a verdadeira conversão.
É claro que houve alguns na comunidade aos quais essa carta foi escrita que estavam em perigo de cair da
mesma maneira (v. Hb 2.3; 3.8,12,14,15; 4.1,7,11; 10.26,29,35,36,38,39; 12.3,15-17). O autor quer adverti-
los de que, embora tenham participado da comunhão da igreja e experimentado muitas das bênçãos de
Deus em sua vida, se caírem após tudo isso, não há salvação para eles. Ele quer usar a linguagem mais
forte possível para dizer: "Neste caso, não importa o quanto uma pessoa experimente bênçãos
temporárias, ela ainda não foi realmente salva". Ele os está advertindo a serem cuidadosos, porque
depender das bênçãos e experiências temporárias não é suficiente. Isso não quer dizer que ele pensa que
os verdadeiros cristãos poderiam cair — [Para a discussão muito mais abrangente dessa passagem, v.
Perseverance of the saints: a case study from Hebrews 6.4-6 and the other warning passages in Hebrews,
de Wayne Grudem. In: Thomas Schreiner & Bruce Ware, orgs. The grace of God e the bondage ofthe will
(Grand Rapids: Baker, 1995), 1:133-82.]
Hebreus 3.14 sugere exatamente o oposto. Antes ele quer dar-lhes a certeza da salvação por meio da
perseverança na fé e dessa forma subentende que, se eles caírem, isso demonstrará que eles nunca foram
realmente povo de Deus.
Por essa razão, imediatamente ele passa dessa descrição dos que cometem apostasia para uma analogia
posterior que mostra que essas pessoas que caem nunca tiveram qualquer fruto genuíno em suas vidas. Os
versículos 7 e 8 falam dessas mesmas pessoas em termos de "espinhos" e "ervas daninhas", uma espécie
de colheita que é produzida na terra que não tem vida que valha a pena em si mesma, muito embora
receba repetidamente bênçãos de Deus (em termos da analogia, embora chova freqüentemente sobre ela).
Devemos observar aqui que as pessoas que cometem apostasia não são comparadas a um campo que uma
vez produziu bom fruto e que agora não produz, mas que são iguais à terra que nunca produziu bom fruto,
mas somente espinhos e ervas daninhas. A terra pode parecer boa antes da colheita começar a aparecer,
mas o fruto dá a evidência genuína, e ele é mau.
Forte apoio para essa interpretação de Hebreus 6.4-8 é encontrado no versículo imediatamente seguinte.
Embora o autor tenha falado muito a respeito da possibilidade de cair, ele a seguir volta a falar sobre a
situação da grande maioria de ouvintes que ele pensa que são cristãos genuínos. Ele diz: "Quanto a vós
outros, todavia, ó amados, estamos persuadidos das coisas que são melhores e pertencentes à salvação,
ainda que falamos desta maneira" (Hb 6.9, RA). Mas a questão é: Essas "coisas que são melhores" são
melhores do que quais outras? As "coisas melhores" no plural formam um contraste apropriado às "coisas
boas" que haviam sido mencionadas nos versículos 4-6; o autor está convencido de que a maioria de seus
leitores experimentou as coisas que são melhores do que simplesmente as influências parciais e
temporárias do Espírito Santo e da igreja mencionadas nos versículos 4-6.
De fato, o autor fala a respeito dessas coisas por dizer (literalmente) que elas são "coisas que são melhores
e pertencentes à salvação" (gr., kai echomena soterias): Essas não são somente as bênçãos temporárias
mencionadas nos versículos 4-6, mas são coisas melhores, que não têm apenas influência temporária, mas
são "pertencentes à salvação". Desse modo, a palavra grega kai, "e", mostra que a salvação é algo que não
fazia parte dos itens mencionados nos versículos 4-6. Portanto, a palavra kai — que é traduzida
explicitamente na RA, na ECA e na ARC
— proporciona uma chave crucial para o entendimento da passagem. Se o autor quisesse dizer que as
pessoas mencionadas nos versículos 4-6 eram verdadeiramente salvas, seria muito difícil entender por
que ele diria no versículo 9 que está convencido de que há coisas melhores para eles e pertencentes à
salvação. Essas coisas incluem a "salvação" como um item adicional às coisas mencionadas
anteriormente. Ele mostra, portanto, que pode dizer em uma frase breve que as pessoas "têm salvação",
caso queira (ele não precisa utilizar muitas frases), e, além disso, que as pessoas de quem ele fala nos
versículos 4-6 não são salvas.
Quais são exatamente essas "coisas melhores?". Em acréscimo à salvação mencionada no versículo 9,
tratam-se de coisas que dão evidência real da salvação — um fruto genuíno na vida deles (v. 10), plena
certeza de esperança (v. 11) e fé salvadora,do tipo mostrado por quem herda as promessas (v. 12). Desse
modo, ele fortalece a certeza dos que são crentes genuínos — os que demonstram fruto em sua vida e
amor por outros cristãos, que revelam esperança e fé genuína que persevera no tempo presente, que não
abandonam o caminho. Ele quer dar segurança a esses leitores (que certamente são a grande maioria
daqueles a quem escreve) ao mesmo tempo que lança uma forte advertência contra os que podem estar
em perigo de apostasia.
Um ensino semelhante é encontrado em Hebreus 10.26-31. Ali o autor diz: "Se continuarmos a pecar
deliberadamente depois que recebemos o conhecimento da verdade, já não resta sacrifício pelos pecados"
(v. 26). Alguém que rejeita a salvação de Cristo e "profanou o sangue da aliança pelo qual ele foi
santificado" (v. 29) merece a punição eterna. Essa é novamente uma forte advertência contra a apostasia,
mas não deveria ser tomada como prova de que alguém que verdadeiramente nasceu de novo possa
perder a salvação. Quando o autor fala a respeito do sangue do pacto "pelo qual ele foi santificado", a
palavra santificado é usada simplesmente para referir-se à "santificação externa, igual à dos antigos
israelitas, pela ligação exterior com o povo de Deus". A passagem não fala a respeito de alguém que é
genuinamente salvo, mas de alguém que recebeu certa influência moral benéfica por meio do contato com
a igreja.
D. O que pode dar ao crente segurança genuína?
Se é verdade, como foi explicado na seção anterior, que os descrentes que finalmente deixarão a fé podem
apresentar muitos sinais externos de conversão, então o que poderá servir de evidência da conversão
genuína? O que pode dar segurança real ao verdadeiro crente? Podemos citar três categorias de perguntas
que uma pessoa pode fazer a respeito de si mesma.
1. Posso ter no presente confiança em Cristo para ser salvo?
Paulo diz aos colossenses que eles seriam salvos no último dia, se continuassem "alicerçados e firmes na
fé, sem se afastarem da esperança do evangelho, que [...] ouviram e que tem sido proclamado a todos os
que estão debaixo do céu" (Cl 1.23). Além de dizer que "passamos a ser participantes de Cristo, desde que,
de fato, nos apeguemos até o fim à confiança que tivemos no princípio" (Hb 3.14), o autor de Hebreus
encoraja seus leitores a serem imitadores dos que "por meio da fé e da paciência, recebem a herança
prometida" (Hb 6.12). De fato, o versículo mais famoso da Bíblia inteira usa o verbo no tempo presente,
que pode ser traduzido por "para que todo aquele que continua crendo nele possa ter vida eterna" (Jo
3.16).
Portanto, cada um deveria perguntar a si mesmo: "Tenho hoje confiança em Cristo de que ele perdoou os
meus pecados e que vai me levar inculpável para o céu para sempre? Tenho confiança em meu coração de
que ele me salvou? Se eu morresse hoje à noite e comparecesse diante de Deus e ele me perguntasse a
razão pela qual deveria me deixar entrar no céu, será que eu começaria a pensar a respeito de minhas boas
ações e depender delas, ou sem hesitação diria que sou dependente dos méritos de Cristo e confio que ele
é o Salvador suficiente?".
Essa ênfase sobre a fé em Cristo no presente permanece em contraste com a prática de alguns
"testemunhos" de igreja nos quais as pessoas repetidamente recitam detalhes de uma experiência de
conversão acontecida mais de vinte ou trinta anos atrás. Se um testemunho de fé salvadora é genuíno, ele
deve ser um testemunho de fé que é ativo no dia de hoje.
2. Há evidência da obra regeneradora do Espírito Santo em meu coração?
A evidência da obra do Espírito Santo em nosso coração vem de muitas formas diferentes. Embora não
devamos colocar nossa confiança na demonstração de obras miraculosas (Mt 7.22) ou de longas horas e
anos de trabalho em alguma igreja local (que pode simplesmente ser uma construção como madeira, feno
ou palha "nos termos de lCo 3.12 para promover o poder ou o próprio ego ou tentar ganhar mérito com
Deus), há muitas outras evidências de obra real do Espírito Santo no coração de uma pessoa.
Primeiro, há o testemunho subjetivo do Espírito Santo no nosso coração testificando que somos filhos de
Deus (Rm 8.15,16; lJo 4.13). Esse testemunho regularmente será acompanhado pela percepção de ser
conduzido pelo Espírito Santo nos caminhos da obediência à vontade de Deus (Rm 8.14).
Além disso, se o Espírito Santo está trabalhando genuinamente em nossa vida, ele haverá de produzir
uma espécie de características de caráter que Paulo chama "fruto do Espírito" (Gl 5.22). Ele menciona
diversas atitudes ou características do caráter que são produzidas pelo Espírito Santo: "amor, alegria, paz,
paciência, amabilidade, bondade, fidelidade, mansidão e domínio próprio" (Gl 5.22,23). Obviamente, a
questão não é: "Exemplifico perfeitamente todas essas características em minha vida?", e sim: "Essas
coisas são características gerais de minha vida? Sinto essas atitudes em meu coração? Outras pessoas
(especialmente as que estão mais próximas de mim) vêem essas características em minha vida? Elas têm
se desenvolvido em minha vida nos últimos anos?". Não há qualquer indício no NT de que qualquer
pessoa não-regenerada ou não-cristã possa convincentemente fingir essas características de caráter,
especialmente para os que a conhecem bem de perto.
Relacionada a essa espécie de fruto, há ainda outra: os resultados da vida e do ministério de uma pessoa
segundo sua influência sobre outros e sobre a igreja. Há pessoas que professam ser cristãs, mas cuja
influência sobre outros é para desencorajá-los, deprimi-los, trazer dano à sua fé e provocar controvérsias
e divisões. O resultado da vida e do ministério dessas pessoas não é edificar os outros e a igreja, mas
derrubar ou destruir. Em contraposição, há os que parecem edificar outras pessoas em cada conversa, em
cada oração e em cada obra de ministério na qual colocam as mãos. Jesus disse, em relação aos falsos
profetas: "Vocês os reconhecerão por seus frutos. [...] Semelhantemente, toda árvore boa dá frutos bons,
mas a árvore ruim dá frutos ruins. [...] Assim, pelos seus frutos vocês os reconhecerão!" (Mt 7.16,17,20).
Outra evidência da obra do Espírito Santo é a perseverança na fé e a aceitação do ensino sadio na igreja.
Os que começam a negar as principais doutrinas da fé dão sérias indicações negativas a respeito de sua
salvação: "Todo o que nega o Filho também não tem o Pai [...] Quanto a vocês, cuidem para que aquilo
que ouviram desde o princípio permaneça em vocês. Se o que ouviram desde o princípio permanecer em
vocês, vocês também permanecerão no Filho e no Pai" (1 Jo 2.23,24). João também diz: "Nós viemos de
Deus, e todo aquele que conhece a Deus nos ouve" (lJo 4.6). Já que os escritos do NT são a autoridade que
substitui a presença de apóstolos como João, podemos também dizer que quem quer que conheça a Deus
continuará a ler e a se deleitar na Palavra de Deus, e continuará a crer nela plenamente. Os que não crêem
e não têm prazer na Palavra de Deus dão evidência de que não são "de Deus".
Outra evidência da salvação genuína é um relacionamento contínuo no presente com Jesus Cristo. Jesus
diz: "Permaneçam em mim, e eu permanecerei em vocês", e"Se vocês permanecerem em mim, e as
minhas palavras permanecerem em vocês, pedirão o que quiserem, e lhes será concedido" (Jo 15.4,7).
Essa permanência em Cristo incluirá não somente a confiança diária nele em várias situações, mas com
certeza também a comunhão regular com ele na oração e na adoração. Essa permanência também incluirá
obediência aos mandamentos de Deus. João diz:
"Aquele que diz: ‘Eu o conheço’, mas não obedece aos seus mandamentos, é mentiroso, e a verdade não
está nele. Mas, se alguém obedece à sua palavra, nele verdadeiramente o amor de Deus está aperfeiçoado.
Desta forma sabemos que estamos nele: aquele que afirma que permanece nele, deve andar como ele
andou" (lJo 2.4-6). Uma vida perfeita não é necessária, naturalmente. João antes está dizendo que em
geral nossa vida deve ser de imitação de Cristo e de semelhança a ele naquilo que fazemos e dizemos. Se
temos a genuína fé salvadora, haverá resultados claros de obediência em nossa vida (v.tb. lJo 3.9,10,24;
5.18).
3. Consigo ver o padrão de crescimento constante em minha vida cristã?
As primeiras duas áreas de certeza lidam com a fé atual e a evidência atual da obra do Espírito Santo em
nossa vida. Mas Pedro nos dá mais uma espécie de teste que podemos usar para perguntar se somos
genuinamente crentes. Ele nos diz que há algumas características de caráter que, se continuamos a
crescer nelas, garantirão que nós "jamais" tropeçaremos (2Pe 1.10). Ele diz aos seus leitores para se
empenharem "para acrescentar à sua fé a virtude [...] o conhecimento [...] o domínio próprio [...] a
perseverança [...] a piedade [...] a fraternidade [...] o amor" (2Pe 1.5-7). A seguir ele diz que essas coisas
devem pertencer aos seus leitores e estar continuamente crescendo na vidas deles (2Pe 1.8). Acrescenta
que eles devem se empenhar "em consolidar o chamado e a eleição", e então continua: "pois se agirem
dessa forma [referindo-se à prática das características mencionadas nos versículos 5-7], jamais
tropeçarão" (2Pe 1.10).
O modo pelo qual confirmamos nossa vocação e eleição, então, é continuar a crescer nesse processo. Isso
sugere que a certeza de salvação pode ser algo que aumenta com o tempo em nossa vida. Cada ano que
acrescentamos essas características em nossa vida, ganhamos segurança cada vez maior de nossa
salvação. Assim, embora crentes novos na fé possam ter uma confiança muito firme em sua salvação, essa
segurança pode aumentar em certeza ainda mais profunda com o passar dos anos, à medida que eles
caminham para a maturidade cristã. Se continuam a acrescentar essas coisas, confirmarão a sua vocação e
eleição, e "jamais tropeçarão".
O resultado dessas três perguntas que podemos fazer a nós próprios deveria dar uma forte certeza para os
que são genuinamente crentes. Desse modo, a doutrina da perseverança dos santos será uma doutrina
tremendamente confortadora. Ninguém que tenha tal certeza deveria perguntar: "Serei capaz de
perseverar até o fim da minha vida e, portanto, ser salvo?". Cada pessoa que ganha segurança por meio
desse auto-exame deveria antes pensar: "Eu verdadeiramente nasci de novo,portanto certamente
perseverarei até o fim, porque estou sendo guardado ‘pelo poder de Deus’ operando por meio de minha fé
(cf. IPe 1.5) e, portanto, eu nunca me perderei. Jesus vai me ressuscitar no último dia e eu vou entrar no
seu Reino para sempre" (cfJo 6.40).
Por outro lado, a doutrina da perseverança dos santos, se corretamente entendida, deve causar
preocupação genuína, e até mesmo temor, no coração de qualquer um que esteja "apostatando" ou se
desviando de Cristo. Tais pessoas devem ser claramente advertidas de que somente quem persevera até o
fim é que verdadeiramente nasceu de novo. Se elas se afastam de sua profissão de fé em Cristo e de uma
vida de obediência a ele, elas podem realmente não ser salvas — de fato, a evidência que elas estão dando
é de que não são salvas e nunca realmente foram salvas. Uma vez que parem de confiar em Cristo e de
obedecer-lhe, elas não têm nenhuma certeza genuína de salvação, e devem considerar-se não-salvas,
voltando-se para Cristo em arrependimento e pedindo-lhe perdão pelos pecados.
Neste momento, em termos de cuidado pastoral com os que se afastaram de sua profissão de fé em Cristo,
devemos perceber que calvinistas e arminianos (os que crêem na perseverança dos santos e os que
pensam que os cristãos podem perder a salvação) iriam aconselhar um "apóstata" do mesmo modo.
Conforme o arminiano, esse indivíduo foi cristão durante certo tempo, mas agora não é mais. Conforme o
calvinista, tal pessoa nunca foi realmente cristã e ainda não é. Mas em ambos os casos o conselho bíblico
dado seria o mesmo: "Você não parece ser cristão agora —você deve se arrepender de seus pecados e
confiar em Cristo para ser salvo". Embora o calvinista e o arminiano discordem sobre a interpretação da
história anterior dessa pessoa, hão de concordar sobre o que deve ser feito no presente.
Porém vemos aqui por que o termo segurança eterna, quando usado impropriamente, pode ser muito
enganoso. Em algumas igrejas evangélicas, em vez de ensinarem a apresentação equilibrada e total da
doutrina da perseverança dos santos, alguns pastores freqüentemente ensinam uma versão diluída dela,
que de fato diz às pessoas que todos os que fizeram uma profissão de fé e foram batizados estão
"eternamente seguros". O resultado é que algumas que realmente não são genuinamente convertidas
podem "ir à frente" no final de uma reunião evangelística para professar a fé em Cristo e serem batizadas
pouco tempo depois, mas acabam deixando a comunhão da igreja e vivendo de modo que não é diferente
da que tiveram antes de ganhar essa "segurança eterna". Desse modo, uma falsa segurança é dada a essas
pessoas, e elas estão sendo cruelmente enganadas por pensarem que estão indo para o céu quando, de
fato, não estão.
Autor: Wayne Grudem
Fonte: Teologia Sistemática do Autor; Ed. Vida Nova

14:28

Arminianismo -heresia combatente ao Calvinismo.

Breve Histórico das Origens do Arminianismo

Jacob van Harmazoon (1560-1609), ou como é conhecido por seu nome latinizado Jacobus Arminius, nasceu em Oudewater na Holanda. Primeiro estudou teologia na Universidade Marburg em Leyden (1575- 1581), também estudou em Basiléia (1582-1583), e posteriormente na Academia de Genebra na Suíça (1584-1586), onde recebeu aulas do próprio reformador Theodoro Beza, sucessor de João Calvino. A Igreja Estatal Holandesa havia adotado a doutrina Reformada. Em 1618, endossou como seus Símbolos de Fé: a Confissão Belga [1] e o Catecismo de Heidelberg. [2] Inicialmente foram usados apenas como livros de instrução. Mas ao serem adotados como documentos representantes da fé do Estado Holandês, trouxe muito desconforto para aqueles que advogavam manter a antiga fé Católica, ou, uma postura mais tolerante. A Holanda por causa do seu desenvolvimento humanista advogava a liberdade de pensamento. Um dos maiores humanistas holandeses no início da Reforma era Desidérius Erasmus (1466-1536), mais conhecido como Erasmo de Rotterdam, que mesmo fazendo duras críticas a Igreja Católica Romana, morreu como seu submisso filho. [3] Os Países Baixos ainda estavam sendo minados pelo Semipelagianismo. Mas, Arminius foi escolhido pelo Sínodo holandês em 1589, para defender a doutrina oficial da Igreja Reformada Holandesa. Dirk Coornhert que naquele período era o secretário geral dos Estados Gerais, não havia aderido às doutrinas da Reforma. Arminius que era um filho da Igreja Reformada Holandesa foi indicado para se opor aos ataques teológicos semipelagianos de Coornhert. Entretanto, Arminius não foi feliz em sua defesa. [4] A partir desse debate Arminius começou a questionar e nutrir dúvidas acerca do seu Calvinismo. Durante o pastorado da Igreja Reformada de Amsterdã (1588-1603), Arminius realizou uma exposição na epístola de Romanos analisando os capítulos 7-9. Nestas palestras ele questionou a interpretação calvinista desta passagem, preferindo uma forma de Semipelagianismo modificada, o que veio a chamar- se Arminianismo . Em 1603, Arminius foi nomeado professor de divindade (teologia sistemática) na Universidade de Leyden. Esta era a mais antiga universidade da Holanda. Sua nomeação ocorreu por basicamente três motivos; primeiro, por causa de sua família, que ocupava uma posição proeminente entre a aristocracia holandesa; segundo, possuía muitos amigos, inclusive membros da igreja de Amsterdã que lhe apoiavam; terceiro, o seu currículo acadêmico era inquestionável. Lecionou ali até a sua morte. Durante esse período letivo, Arminius sistematizou seu pensamento fazendo muitos discípulos e simpatizantes políticos. Franciscus Gomarus que, primeiramente, foi professor de Arminius, tornou-se seu principal inimigo. Todos os que defendiam a posição calvinista, ficaram conhecidos, naquele período na Holanda, como gomaristas. Gomarus foi uma figura decisiva no Sínodo de Dort, em defesa da opinião calvinista. A Igreja Oficial Holandesa era confessionalmente calvinista. Os teólogos e partidários de Arminius não admitiam a limitação confessional, e procuravam obter a revisão dos credos oficiais. Isso causou um transtorno de difícil resolução, pois ambos teólogos, tanto Gomarus como Arminius, possuíam influentes simpatizantes na política estatal holandesa.[5] A República dos Estados Gerais [6] se encontrava perto de uma cisão. Quando a discussão saiu de dentro das salas da Universidade de Leyden, indo para os púlpitos e em seguida para o parlamento, o caso agravou-se. Ricardo Cerni comenta que no sombrio marco desta questão ressuscitou um antigo problema sócio-político polarizado na rivalidade existente entre Maurício de Nassau (filho de William de Orange, e o protetor do proletariado), e Jan Barnevelt, um dos fundadores da república e líder da alta burguesia. Em geral, esta classe social era partidária da postura arminiana, e usando de sua evidente influência política conseguiram, através de Hugo Groot (Grotius, 1583-1645) a publicação de um Edito para que se proibisse nas igrejas a pregação de temas "controvertidos", incluindo, obviamente, a questão da predestinação. Os calvinistas ortodoxos protestaram imediatamente estimando aquele que era um ato de verdadeira perseguição. [7] Era um risco muito delicado para a Holanda, principalmente naquele momento, pois a guerra com a Espanha não havia terminado. Maurício de Orange, que era o Conde de Nassau, percebeu claramente o perigo da República Holandesa perder a sua unidade, e resolveu usar a sua influência como governador- geral, quebrando o poder das autoridades partidárias de Arminius. De forma decisiva em 1617, Maurício de Orange desarmou as tropas dos magistrados arminianos, e no mesmo ano decidiu convocar um sínodo. O problema teológico de Arminius tinha as suas raízes em sua teontologia [8]. As suas conclusões acerca da salvação, não eram resultados apenas de um conceito errado de livre arbítrio, ou do modus operandi da livre graça de Deus, e sim, do seu conceito acerca da Trindade. Arminius falando do seu conceito da divindade de Cristo e do Espírito, afirma que "esta maneira de falar é nova, herética e sabeliana, e em si, é blasfemo dizer que o Filho de Deus é homoousios (da mesma essência) porque somente o Pai é verdadeiro Deus, o Filho e o Espírito não o são." [9] Além de demonstrar certa deficiência na área de teologia histórica, a sua teontologia resulta conseqüentemente num Unitarismo. [10] A conseqüência dessa teologia em tom unitarista, unida a um conceito errôneo de livre arbítrio é que a sua Soteriologia [11] e todas as demais divisões da dogmática, coerentemente, sofreram modificações bastante significativas. Não é de se estranhar que os discípulos de Arminius distanciaram-se do seu tom protestante original. Os nomes de teólogos arminianos como "Episcopius, Grocius, Curcellaeus, Limborch, e sua elaboração de imponentes volumes, do material dogmático, não conseguem esconder o achatamento de todas as grandes doutrinas, e suas tendências crescentes em direção a Ário, a Pelágio e a Socínio". [12] O próprio Arminius era inconsistente em sua teologia. Embora negava os quatro primeiros pontos do Calvinismo, ele incoerentemente aceitava o quinto. Numa obra chamada Declaração dos Sentimentos (1608) ele defende que Deus possui quatro tipos de decretos, sendo que o quarto "Deus decretou a salvação de certos indivíduos específicos – porque Ele anteviu que eles creriam e perseverariam até o fim". [13] Com o propósito de tornar sua teologia mais coerente os remonstrantes também negaram em seu quinto ponto a doutrina da Perseverança Final, conforme exposta pelo Calvinismo. Em sua avaliação sobre o assunto, Wright afirma que ele [Arminius] continuou até a crer na segurança eterna dos santos, embora este último aspecto do calvinismo tenha sido abandonado pelos seus seguidores entre os Remonstrantes, poucos anos após a sua morte, enquanto procuravam desenvolver uma teologia mais consistente sobre a graça universal.[14] Após a morte de Arminius (1609) os seus seguidores, aproximadamente 46 teólogos, se reuniram na cidade de Gouda. Apresentaram um documento chamado Articuli Arminiani sive Remonstrantia (1610). Neste documento demonstravam que tipo de teologia esposavam em protesto à religião oficial do Estado. Após este incidente a Igreja foi obrigada a se declarar com maior clareza acerca destes novos pontos doutrinários através dos Cânones de Dort em reação aos arminianos. O sínodo reuniu-se na cidade de Dordrecht, em 13 de novembro 1618, até 9 de Maio de 1619. Era formado de teólogos não somente holandeses, mas também procedentes de outras partes da Europa. [15] Haviam trinta e cinco teólogos, um grupo de presbíteros das igrejas holandesas e participantes provindos da Grã Bretanha, Eleitorado do Palatinado, Helvétia, República de Genebra, Bremen, Bélgica, Zutânia, Austrália, Nova Zelândia, Frísia, Transilvânia, Groningen, Drentia, Gálica-Belga, Hesse, Suíça, Bradenburg, Utrecht e Balcanquall. Os remonstrantes também foram convocados para estarem no Sínodo. Estavam presentes Simon Episcopius professor de teologia em Leyden, o sucessor de Arminius, e mais doze teólogos arminianos. Contudo para eles o sínodo não passava de uma conferência e eles negavam competência para agir como um tribunal em questões de doutrina. Eles não queriam ser tratados como réus. A tática do grupo arminiano era a de obstruir as reuniões do sínodo com debates formais. O Sínodo queria discutir os artigos da "Remonstrância", mas o grupo arminiano se recusava a expor claramente sua posição doutrinária. Após quatro semanas de debates inúteis, o presidente do sínodo dispensou o grupo de arminianos. Com isto o sínodo passou a julgar a doutrina arminiana com base em seus escritos. Os cinco artigos dos arminianos foram discutidos e uma comissão preparou o texto dos "cânones" ou regras de doutrina em que se condenava a doutrina arminiana e se expunha a doutrina reformada. [16] O Sínodo holandês ratificou a sua fé Reformada (calvinista). Os remonstrantes insatisfeitos reagiram com um manifesto contra a decisão do Sínodo. O resultado desse manifesto foi a expulsão dos ministros arminianos das igrejas Reformadas e a morte de muitos deles.

NOTAS: [1] -Escrito por Guy de Brés, em 1561. [2] -Escrito por Caspar Olevianus e Zacharias Ursinus, em 1563. [3] -Justo L. Gonzalez, Uma História do Pensamento Cristão: Da Reforma ao Século 20 (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 2004), p. 27. [4] -Ricardo Cerni, Historia Del Protestantismo (Edinburgh, El Estandarte de la Verdad, 1992), p. 127 [5] -Lembrando que a Igreja Reformada e o Estado se encontravam entrelaçadas desde o início da Reforma, e uma heresia, não era simplesmente um erro, ou discordância doutrinária, mas também um crime político contra o Estado. [6] -Esse era o nome que designava os Países Baixos. [7] -Ricardo Cerni, História del Protestantismo, , pp. 127-128. [8] -Estudo do Ser, Atributos e Obras de Deus. [9] -James Arminius, The Works of James Arminius, vol. 1, p. 335 citado por Paul K. Jewett, Elección y Predestinación (Jenison, TELL, 1992), p. 29. [10] -Sistema doutrinário que nega a Trindade, afirmando que Deus é apenas um Ser e uma só Pessoa. [11] -Doutrina da salvação. [12] -James Orr, El Progresso del Dogma (Terrassa, CLIE, 1988), p. 239. [13] -Tony Lane, Pensamento Cristão (São Paulo, Abba Press, 1999) p. 24. [14] -R.K. Mc Gregor Wright, A Soberania Banida (São Paulo, Ed. Cultura Cristã), p. 31. [15] -Albert H. Newman, A Manual of Church History, vol. II, p. 347 [16] -Os Cânones de Dort (São Paulo, Ed. Cultura Cristã, 1998), p. 11. Autor: Rev. Ewerton B. Tokashiki tokashiki@ronnet.com.br Blog: http://www.tokashiki.blogspot.com/ Pastor da Igreja Presbiteriana de Cerejeiras – RO Prof. de Teologia Sistemática do STBC – Extensão Ji-Paraná Retirado da apostila: (Doutrina distintivas da fé reformada-2ºedição) do site www.teologiacalvinista.v10.com.br