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O Cara Que Não se Achou “O Cara”




Rev. Marcus O. Throup (¬)



Ultimamente, enquanto o noticiário evangélico traz (mais) más notícias sobre a megalomania de pastores cujo egoísmo dizima a igreja, o Lecionário traz leituras sobre um líder humilde cujo esforço uniu o povo de Deus à beira do rio Jordão. Esse líder cristão do passado demanda a atenção de todo e qualquer que se considera “líder cristão” no presente. Falo, é claro, de João Batista.



No que se refere ao Batista, cada evangelho traz um pedacinho de informação, com efeito, que, juntando os pedaços, como se faria com uma fotografia rasgada em quatro, temos como saber quem e como era João. Por um lado a própria voz dele salta das páginas do Novo Testamento: “Depois de mim vem aquele que é mais poderoso do que eu, de quem não sou digno de, inclinando-me, desatar as correias das sandálias” (Mc 1.7); “Convém que ele cresça e que eu diminua” (Jo 3.30); “Tu vens a mim? Eu é que preciso ser batizado por ti!” (Mt 3.14). Evidentemente, o testemunho de cada evangelista ‘bate’ com os demais, e a impressão que temos de João, à base das suas próprias palavras, é de um humilde servo que se curvou diante do Senhor Jesus.



A humildade de João impressiona ainda mais quando levamos em conta os seguintes fatores:

(1) João ficou famoso como figura profética, atraindo para si multidões e agregando discípulos (pode ser que Mc 1.5 se trate de hipérbole, mas a hipérbole tem fundamento);

(2) João foi pregador de renome, ouvido por governantes (que nem sempre gostaram daquilo que ouviram dele);

(3) João era primo legítimo de Jesus, membro, digamos, da família real (e, de fato, de uma família sacerdotal);

(4) João era tido como um segundo Elias, o maior dos profetas clássicos (alguns pensavam que fosse até o Cristo cf. Jo 1.20).



Ora, se alguém tivesse o direito de se achar alguma coisa na vida, era João. Como líder religioso era muito bem sucedido, porém, diferente do atual padrão evangélico, no caso de João, o bom êxito ministerial não o levou à arrogância, prepotência e megalomania. Na frente dos seus muitos seguidores João anunciou ser servo de Jesus e com todas as letras dizia ser indigno dele. Na frente dos governadores se manteve fiel até a morte – morte essa que a mesma fidelidade provocou – abrindo mão de qualquer possível defesa em termos de um apelo à sua fama e popularidade, abraçando, ao invés, seu martírio. Na frente de todos, João podia ter se exaltado em virtude da sua ligação familiar com o Messias, mas ele não se beneficiaria do nepotismo, e nem sequer mencionou o vínculo. Na frente das autoridades religiosas, apesar de ser o último na linha dos profetas (cf. Lc 16.16) em contradistinção aos líderes como Teudas e Judas o Galileu (At 5.36-37), negou “ser alguém” e rejeitou qualquer associação messiânica.



João era um cara que podia ter se achado ‘o cara’. Ele tinha todas as credenciais necessárias, mas, nem a fama nem o sucesso nem o poder subiram à cabeça. Logo chegamos à conclusão que João Batista, em razão da sua humildade, era o cara. É o próprio Jesus quem o diz: “Ele (João) era a candeia que ardia e iluminava” (Jo 5.35); “Entre os nascidos de mulher, não há outro maior que João...” (Lc 7.28); “A lei e os profetas vigoraram até João” (Lc 16.16).



Entendemos que João era grande à medida que se fazia pequeno. E daí nós vemos a reciprocidade que há entre João e Jesus, pois, Jesus se humilhou assumindo a forma de homem a fim de viver entre nós, morrer por nós e ressurgir para nós, abrindo mão do seu status majestoso, preferindo servir a ser servido (cf. Mc 10.45). Assim, João prefigura Jesus perfeitamente, mas passa também a prefigurar todo líder cristão, pois o nosso lema deveria ser: “Convém que Jesus cresça e que eu diminua”.



¬ Rev. Marcus Oliver Throup; é Presbítero da Diocese do Recife; Secretário Diocesano de Relações Internacionais; professor no SAT-PB; membro da Equipe Pastoral da Concatedral Anglicana da Ressurreição, no Arcediagado Paraíba/Rio Grande Norte.

Fonte:http://www.dar.org.br/artigos/28-clero/1898-o-cara-que-nao-se-achou-o-cara-rev-marcus-throup.html

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