16:11

Eu Não Sei




Recentemente li uma crítica feita aos calvinistas que eles costumam escapar de dilemas teológicos resultantes de sua própria lógica recorrendo ao conceito de “mistério”. Ou seja, os calvinistas, depois de se colocarem a si mesmos numa encruzilhada teológica, candidamente confessam que não sabem a resposta para a mesma.

A crítica em particular era sobre a doutrina da predestinação. Segundo a crítica, os calvinistas insistem que Deus decretou tudo que existe, mas quando chega o momento de explicar a existência do mal no mundo, a liberdade humana e a responsabilidade na evangelização, eles simplesmente dizem que não sabem a resposta para os dilemas lógicos criados: se Deus predestinou os que haveriam de ser salvos e condenados, como podemos responsabilizar os que rejeitam a mensagem do Evangelho? Os calvinistas, então, de acordo com a crítica, recorrem ao que é denominado de antinômio, a existência pacífica de duas proposições bíblicas aparentemente contraditórias que não podem ser harmonizadas pela lógica humana.

A verdade é que, além da soberania de Deus, temos outras doutrinas na mesma condição, como a definição clássica da Trindade, mantida não somente pelos calvinistas, mas pelo Cristianismo histórico em geral. Por um lado, ela afirma a existência de um único Deus. Por outro, afirma a existência de três Pessoas que são divinas, sem admitir a existência de três deuses.
Ao longo da história da Igreja vários tentaram resolver logicamente o dilema causado pela afirmação simultânea de duas verdades aparentemente incompatíveis. Quanto ao mistério da Trindade, as soluções invariavelmente correram na direção da negação da divindade de Cristo ou da personalidade e divindade do Espírito Santo; ou ainda, na direção da negação da existência de três Pessoas distintas. Todas essas tentativas sempre foram rechaçadas pela Igreja Cristã por negarem algum dos lados do antinômio.
Um outro exemplo foram as tentativas de resolver a tensão entre as duas naturezas de Cristo. Os gnósticos tendiam a negar a sua humanidade para poder manter a sua divindade. Já arianos, e mais tarde, liberais, negaram a sua divindade para manter a sua humanidade. Os conservadores, por sua vez, insistiram em manter as duas naturezas e confessar que não se pode saber como elas podem coexistir simultânea e plenamente numa única pessoa.
No caso em questão, as tentativas de solucionar o aparente dilema entre a soberania de Deus e a responsabilidade humana sempre caminharam para a redução e negação da soberania de Deus ou, indo na outra direção, para a anulação da liberdade humana. No primeiro caso, temos os pelagianos e arminianos. No outro, temos os hipercalvinistas, que por suas posições deveriam mais ser chamados de “anticalvinistas”. Mais recentemente, os teólogos relacionais chegaram mesmo a negar a presciência de Deus pensando assim em resguardar a liberdade humana.
Há várias razões pelas quais eu resisto à tentação de descobrir a chave desses enigmas. A primeira e a mais importante é o fato que a Bíblia simplesmente apresenta vários fatos sem explicá-los. Ela afirma que há um Deus e que há três Pessoas que são Deus. Não nos dá nenhuma explicação sobre como isso pode acontecer, mesmo diante da aparente impossibilidade lógica do ponto de vista humano. Os próprios escritores bíblicos, inspirados por Deus, preferiram afirmar essas verdades lado a lado, sem elucidar a relação entre elas. Em seu sermão no dia de Pentecostes, Pedro afirma que a morte de Jesus foi predeterminada por Deus ao mesmo tempo em que responsabiliza os judeus por ela. Não há qualquer preocupação da parte de Pedro com o dilema lógico que ele cria: se Deus predeterminou a morte de Jesus, como se pode responsabilizar os judeus por tê-lo matado? Da mesma forma, Paulo, após tratar deste que é um dos mais famosos casos de antinomínia do Novo Testamento (predestinação e responsabilidade humana), reconhece a realidade de que os juízos de Deus são insondáveis e seus caminhos inescrutáveis (Rm 11.33).
A segunda razão é a natureza de Deus e a revelação que ele fez de si mesmo. Para mim, Deus está acima de nossa possibilidade plena de compreensão. Não estou concordando com os neo-ortodoxos que negam qualquer possibilidade de até se falar sobre Deus. Mas, é verdade que ninguém pode compreender Deus de forma exaustiva, completa e total. Dependemos da revelação que ele fez de si mesmo. Contudo, essa revelação, na natureza e especialmente nas Escrituras, mesmo suficiente, não é exaustiva. Não sendo exaustiva, ela se cala sobre diversos pontos – e entre eles estão o relacionamento lógico entre os pontos que compõem a doutrina da Trindade, da pessoa de Cristo e da soberania de Deus.
A terceira razão é que existe um pressuposto por detrás das tentativas feitas de explicar racionalmente os mistérios bíblicos, pressuposto esse que eu rejeito: que somente é verdadeiro aquilo que podemos entender. Não vou dizer que isso é exclusivamente fruto do Iluminismo do séc. XVII pois antes dele essa tendência já existia. O racionalismo acaba subordinando as Escrituras aos seus cânones. Prefiro o lema de Paulo, “levando cativo todo pensamento à obediência de Cristo” (2Coríntios 10.5). Parece que os racionalistas esquecem que além de limitados em nosso entendimento por sermos criaturas finitas, somos limitados também por nossa pecaminosidade. É claro que mediante a regeneração e a iluminação do Espírito podemos entender salvadoramente aquilo que Deus nos revelou em sua Palavra. Contudo, não há promessas de que regenerados e iluminados descortinaremos todos os mistérios de Deus. A regeneração e a iluminação não nos tornam iguais a Deus.
Além dos mistérios mencionados, existem outros relacionados com a natureza de Deus e seus caminhos. Diante de todos eles, procuro calar-me onde os escritores bíblicos se calaram, após esgotar toda análise das partes do mistério que foram reveladas. Não estou dizendo que não podemos ponderar sobre o que a Bíblia não fala – mas que o façamos conscientes de que estamos apenas especulando, no bom sentido, e que os resultados dessas especulações não podem ser tomados como dogmas.


Postado por Augustus Nicodemus Lopes

Fonte: http://tempora-mores.blogspot.com/2011/11/eu-nao-sei.html

07:10

Onde foi parar o catecismo?

Um dos pilares da fé reformada que distingue o protestantismo de qualquer outro ramo do cristianismo é o “Sola Scriptura”; a priori, nenhum protestante consciente negaria isso. O interessante é que dentro do evangelicalismo atual, todas as denominações fazem uso desta afirmação, até mesmo às sectárias. Se todas (denominações) afirmam ser a Bíblia a única regra de fé, porque tantos desvios doutrinários? .

A proliferação de uma cristandade que na contramão da afirmação paulina vive como se dissesse “Eu nem sei mais em quem tenho crido” nos mostra a gravidade da situação.

Tais incertezas e desvios foram se estabelecendo pelo abandono da tradição interpretativa histórica e ortodoxa . Vemos hoje (bem mais no protestantismo do que em outros ramos cristãos) uma babel teológica que tende a se afastar mais e mais da fé que fora defendida pelos nossos antepassados. Em um de seus artigos na Revista Ultimato, Bispo Robinson Cavalcanti ¹, afirma que:

· Trocou-se o livre exame pela livre interpretação e a Igreja deu lugar a seitas e “denominações”. O liberalismo mandou para o espaço as escrituras, a tradição, os credos, as doutrinas e a moral, sacrificados no altar da razão e na arrogância humana, hoje subjetiva, individualista e relativista. “Revelações” particulares e “profetas” auto-proclamados esquartejaram o Corpo de Cristo. Depois da Reforma sofremos o banho de sangue das Inquisições e a intolerância legalista, moralista, sectária, antiintelectual (e, às vezes, racista) do neofundamentalismo. Surgiram as seitas para-cristãs dos Mórmons, das Testemunhas de Jeová e da Ciência Cristã, bem como o neo/pós/iso/pseudo-pentecostalismo, cuja pretensa identidade protestante é uma contradição em si mesma.

È triste ver a situação no qual chegamos, abrindo brechas para o ressurgimento de várias acusações contra o principio acima mencionado. Só nos resta à pergunta feita pelo pastor Hernandes Dias Lopes, em seu sermão sobre o salmo 11, “O que fazer quando todos os fundamentos são destruídos? “(Sl 11:3)²

· Para ele “ Toda a era moderna foi uma tentativa de destruir os fundamentos antigos e erigir em seu lugar novos fundamentos... Os marcos antigos foram removidos... A própria Igreja Evangélica está confusa. “

O problema todo está no esquecimento da segunda parte da grande comissão de Cristo. Esta parte tem sido ignorada “Ensinando-os a guardar todas as coisas que eu vos tenho mandado” (Mateus 28:20). A igreja de Cristo não somente deve fazer discípulos de todas as nações e batiza-los (v.19). É dever dela também, perpetuar o ensino de Cristo.

Escreveu muito bem Anthony A. Hoekema,³ ao afirmar que :

· de acordo com a Bíblia a igreja é “a coluna e firmeza da verdade” (1 Timóteo 3:15). Por conseguinte, o ensinamento da verdade doutrinal é peculiarmente sua tarefa.

É exatamente aqui minha defesa ao uso do catecismo na igreja. O catecismo deve ser usado como um meio de instrução de jovens e crianças a fim de prepara-los bem para os possíveis perigos que encontrarão durante a sua peregrinação.

A doutrinação de crianças e jovens sempre foi um marca dos cristãos reformados. Não há como esquecer dos catecismos maior e menor de Westminster, nem mesmo do catecismo de Spurgeon, o que falar então do maravilhoso catecismo de Heidelberg (meu favorito)?

Enfim, a história comprova que o abandono destes instrumentos de doutrinação, deu lugar ao subjetivismo e a confusão que vemos diante de nós.

Olhemos para as veredas antigas, vejamos por quais caminhos os antigos peregrinos andaram e andemos pelos mesmos caminhos. Diante das dificuldades que se nos apresentam, estejamos nós preparados para responder com mansidão a todo aquele que pedir a razão da esperança que há em nós.

Soli Deo Gloria



Aldair Ramos Rios

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¹CAVALCANTI, Robinson, Reflexão Ultimato: Protestantes: Autênticos católicos

²LOPES, Hernandes Dias/ http://hernandesdiaslopes.com.br/2011/09/o-que-fazer-quando-todos-os-fundamentos-sao-destruidos/

³HOEKEMA, Anthony A.; A Importância da Instrução Através de Catecismo/ http://www.monergismo.com/textos/teologia_pacto/instrucaocatecismo.htm