Richard Baxter
CAPITULO X
* * *
O descanso dos santos não deve ser esperado na Terra.
A fim de mostrar o pecado e a insensatez de esperar descanso aqui na Terra, ele divide o assunto em três tópicos. Estudaremos o primeiro a seguir:
I) A razão dos sofrimentos presentes se deve a:
1. Que eles são o caminho para o descanso;
2. Evitam que nós confundamos nosso descanso;
3. Evitam que percamos nosso caminho para ele;
4. Avivam nossas passadas em direção a ele;
5. Incomodam, principalmente, nossa carne;
6. Sob eles, o doce antegozo do descanso é freqüentemente experimentado.
Não chegamos ainda ao nosso lugar de descanso. A Terra permanecerá? Quão grande é, então, nosso pecado e insensatez em buscar e esperá-lo aqui! Onde encontraremos cristãos que não mereçam esta reprovação? Nós todos desejaríamos ter uma prosperidade ininterrupta, porque é agradável e prazeroso para a carne, mas não consideramos a irracionalidade de tais desejos. E quando desejamos casas confortáveis, bens, terras e rendas, ou os meios necessários que Deus tem designado para nosso bem espiritual, buscamos descanso nestes prazeres. Quer estejamos em um estado de aflição ou de prosperidade, é visível que fazemos da criação o nosso descanso.
Não desejamos mais ardorosamente os prazeres terrenos, quando carecemos deles, do que desejamos ao próprio Deus? Não nos deleitamos mais em possuí-los, do que em agradar a Deus? E se os perdemos, não ficamos mais perturbados do que se perdemos a Deus? Não é suficiente que eles sejam ajudas revigorantes no nosso caminho para o céu, e ainda tem que ser o nosso próprio céu?
Leitor cristão, eu me disporia a fazer-te sensível a este pecado, tanto como de qualquer outro pecado no mundo, se eu soubesse como fazê-lo, pois a grande contenda do Senhor conosco é neste ponto. Por esta causa, eu imploro, mais vigorosamente, que você considere a razão das aflições presentes e a irracionalidade de descansarmos em prazeres, como também na nossa relutância em fazer morrer aquilo que nos impede de alcançar o descanso eterno.
Portanto, considere:
1) Que a labuta e a dificuldade são caminhos habituais para se chegar ao descanso, tanto no curso natural, quanto no curso da graça. Pode existir descanso sem fadiga? Você não
labuta e se afadiga primeiramente para descansar depois? 0 dia do labor vem primeiro e depois vem a noite para o descanso. Porque desejaríamos que o curso da graça fosse modificado, mais do que o curso natural? Este é um decreto estabelecido "'que devemos, através de muito esforço, entrar no reino de Deus" e que "se sofrermos com Cristo, com Ele reinaremos". E quem somos nós para que os estatutos de Deus sejam modificados em prol dos nossos prazeres?
2) As aflições são muito úteis para nós, para evitar que confundamos nosso descanso. O movimento cristão em direção ao céu é voluntário e não obrigatório. Portanto, as aflições são proveitosas, pois ajudam o cristão a compreender e desejar este caminho. O engano mais perigoso de nossas almas é tomar a criatura por Deus e a Terra pelo céu. Como são entusiasmados, afetuosos e vivos nossos conceitos do mundo, até que as aflições nos façam ponderar sobre eles. Elas falam convincentemente e serão ouvidas, quando os pregadores não forem. Muitos crentes fracos, algumas vezes, dirigem suas atenções para as riquezas, ou prazeres carnais, ou aplausos, e fazendo isso, perdem seus prazeres em Cristo e a alegria no alto, até que Deus aja sobre suas riquezas, ou filhos, ou consciência, ou saúde e derrube a montanha que eles consideravam tão inabalável. E então, quando eles são acorrentados pelos grilhões de Manassés, ou são prostrados em suas camas por causa de enfermidades, o mundo já não é nada significante, enquanto que o céu passa a ser.
Se nosso querido Senhor não colocasse esses espinhos na nossa carne, poderíamos perder nossa glória.
3) As aflições são também a maneira mais eficiente de Deus evitar que percamos nosso caminho para o descanso.
Sem esta cerca de espinhos nos lados direito e esquerdo, nós dificilmente guardaríamos nosso caminho para o céu. Se houvesse apenas uma brecha aberta, quão dispostos nós seriamos para achá-Ia e nos desviarmos dele! Quando nos tornamos libertinos, ou mundanos, ou orgulhosos, quão rebaixados ficamos por intermédio de uma doença ou outra aflição qualquer! Todo cristão, assim como Lutero, poderia chamar as aflições de uma das melhores professoras; e, com Davi, poderiam dizer: "Antes de ser afligido, eu me extraviava; mas agora guardo a tua palavra". Muitos milhares de pecadores salvos podem exclamar: "Ó doença sadia! ó tristeza confortadora! Que perda lucrativa! Que pobreza enriquecedora! Que dia bendito o em que fiquei aflito!" Não somente os "verdes pastos e fontes de água, mas a vara e o cajado, nos confortam". Apesar da Palavra e do Espírito fazerem o trabalho principal, o sofrimento abre a porta do coração, para que a Palavra possa entrar com mais facilidade.
4) As aflições também servem para avivar nossas passadas rumo ao nosso descanso. Seria bom se apenas o amor nos convencesse, e que fôssemos antes atraídos para o céu, do que impelidos. Mas, considerando que nossos corações são tão maus que a misericórdia não poderá realizar esta obra sozinha, é melhor sermos impulsionados para frente com a mais penetrante chicotada, do que demorar-nos, como as virgens néscias, até que a porta se feche. Ó que diferença existe entre a oração que fazemos na saúde e a que fazemos na doença! na prosperidade e na adversidade! Meu Deus! se algumas vezes, não sentíssemos a espora, quão vagarosos seriam os passos da maioria de nós rumo ao céu! Visto que nossa natureza vil o requer, porque não desejaríamos que Deus nos fizesse bem por meios dolorosos? Julgue, cristão, se não andas mais cuidadosa e rapidamente no caminho para o céu nos teus sofrimentos, do que quando estás num estado de prosperidade e satisfação.
5) Considere, além disso, que as aflições atingem principalmente a carne. Na maioria dos nossos sofrimentos a alma permanece livre, a menos que nós, propositadamente, a aflijamos. "Porque, então, ó minha alma, te unes a minha carne, e lamenta-te como ela lamenta-se? O teu trabalho seria mantê-la submissa e trazê-Ia à sujeição; e se Deus faz isto por ti, ficarias descontente? Não tem sido o seu prazer a causa da maioria dos teus sofrimentos espirituais? Porque, então, o seu desprazer não promove tua alegria? Não deveriam Paulo e Silas cantar por estarem com seus pés em correntes? Seus espíritos não estavam aprisionados. Ó alma indigna! é assim que agradeces a Deus por preferir-te muito mais do que ao corpo? Quando teu corpo estiver apodrecendo na sepultura, tu estarás na companhia dos espíritos perfeitos dos justos. Enquanto isto, não tens a consolação da qual a carne não conhece nada?
Não murmure, então, quando Deus agir no teu corpo. Se fosse por falta de amor por ti, como explicas que Ele tenha agido assim com todos os Seus santos? Nunca espere que tua carne interprete corretamente o significado do açoite. Ela chamará o amor de ódio, e dirá, Deus está destruindo, quando Ele estiver salvando. Ela é a parte sofredora, e portanto não, está apta a julgar. Pudéssemos nós, uma vez, confiar em Deus e julgar o modo dEle agir, à luz da Sua Palavra e a luz do proveito que trará as nossas almas e a sua relação com o nosso descanso, nunca mais daríamos ouvidos aos clamores da nossa carne, porque teríamos, então, um julgamento correto de nossas aflições.
6) Uma vez mais, considere que Deus raramente dá ao Seu povo um antegozo, tão doce, do seu futuro descanso, como nas suas aflições mais profundas. Ele mantêm seus consolos mais preciosos para o tempo da nossa maior fraqueza e perigo. Ele os concede quando sabe que são necessários e que serão valorizados, e que serão recebidos com agradecimentos e seu povo se regozijará neles. Especialmente quando sofremos por amor a Ele, raramente, então, deixará de adoçar a nossa taça de amargura.
Os mártires possuíram os júbilos mais elevados. Quando Cristo pregou de maneira tão confortadora aos seus discípulos, do que quando "seus corações estavam tristes"' na sua partida? Quando Ele apareceu entre eles e disse: "Paz seja convosco", não foi quando se calaram por temerem aos judeus? Quando Estêvão viu o céu aberto, se não quando entregava sua vida por testemunho de Jesus? Não é verdade que o nosso melhor estado é quando temos mais de Deus? Então porque desejamos ir para o céu? Se buscamos um céu de prazeres carnais, estamos nos enganando. Conclua, então, que a aflição não é uma condição tão ruim para um santo no seu caminho para o descanso. Somos mais sábios do que Deus? Ele não sabe o que é melhor para nós, muito mais do que nós mesmos? Ou Ele não e tão atento para o nosso bem, quanto nós somos? Deus nos ama mais e melhor do que nos O amamos ou amamos a nós mesmos.
Não diga: "Eu poderia suportar qualquer outra aflição, menos esta". Se Deus te afligisse onde podes tolerar, teu ídolo nunca teria sido descoberto ou removido. Nem diga: "Se Deus me livrasse logo, ficaria contente em passar por isso". Não significa nada para ti, que Ele tenha prometido "trabalharei para o teu bem"? Não é suficiente que estás, seguramente, livre da morte? Nem deixe ser dito "se minha aflição não me incapacitasse a trabalhar, eu poderia tolerá-la". Ela não te incapacita para aquele dever que tende ao teu próprio benefício, mas é a melhor auxiliadora que tu podes esperar. Quanto aos deveres para com os outros, eles não são teus quando Deus te inabilita. Ou talvez dissesses: "Os piedosos são meus opressores; se fossem os
ímpios, eu poderia facilmente suportar". Seja qual for o instrumento, a aflição vem de Deus e o motivo, de ti mesmo; e não é melhor olhar para Deus do que para ti mesmo?
Não sabes que mesmo o melhor dos homens é ainda pecador em parte? Não suplique: "Se ao menos eu tivesse aquela consolação que Deus reserva para os tempos de sofrimento, poderia sofrer mais contentemente; mas não recebi tal coisa". Quanto mais sofreres por causa da justiça, mais das bênçãos de Deus podes esperar; e quanto mais sofreres por causa do teu mau procedimento, mais tempo demorará para que as consolações venham. As consolações que desejas não são negligenciadas ou repelidas? Tem suas aflições operado gentilmente em você e preparado você para receber conforto? Não é o sofrimento que lhe prepara para o conforto, mas o sucesso e o fruto do sofrimento sobre seu coração.
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